Cavaco Silva: “Crise na habitação resulta do falhanço da política do Governo”
O antigo Presidente da República deixou duras críticas ao Governo no encerramento da conferência “30 Anos PER: génese e impacto nos territórios”.
O Presidente da República entre 2006 e 2016, Cavaco Silva, deixou neste sábado duras críticas ao pacote Mais Habitação, que o executivo apresentou em Fevereiro, e disse que a crise habitacional que se vive no país "é o resultado do falhanço da política do Governo no domínio da habitação nos últimos sete anos, com custos sociais elevados para muitos milhares de famílias". Cavaco Silva foi o orador convidado responsável pela intervenção de encerramento da conferência “30 Anos PER: génese e impacto nos territórios”, organizada pela Câmara de Lisboa para assinalar os 30 anos do Programa Especial de Realojamento.
"Não faltaram planos apresentados à comunicação social e que ficaram no papel ou no powerpoint", assumiu o chefe de Estado, depois de lembrar que um dos sucessos do PER, lançado durante os seus anos de governação, foi ter passado do papel à prática. "O sucesso deveu-se à escolha das opções certas para que o PER passasse efectivamente à prática e a obra nascesse, para que não ficasse no papel, no powerpoint, como hoje se diz, e nas declarações dos governantes para a comunicação social."
Só uma nota positiva
Cavaco Silva deixou apenas uma nota positiva sobre o pacote Mais habitação: o fim dos "vistos gold". Além disso, não deixou pedra sobre pedra. Para lá das críticas concretas ao facto de o arrendamento coercivo pôr em causa o direito de propriedade privada ou do erro que representa a proposta de ressuscitar o congelamento ("de tão má memória") das rendas antigas, o antigo Presidente regista dois problemas essenciais do actual Governo e das suas políticas: a falta de credibilidade e a falta de confiança, depois de anos a prometer medidas que não se concretizaram ou a "mudar as regras a meio do jogo, de acordo com as suas conveniências".
"O mal está feito. O novo golpe no clima de confiança dos investidores está feito", concluiu. Antes, já havia dito que, "como o historial do Governo nos últimos sete anos não é positivo em matéria de cumprimento das promessas feitas, o novo programa de habitação sofre do problema de credibilidade próprio das políticas do actual executivo".
Apesar das críticas, Cavaco Silva fez questão de deixar três conselhos a António Costa e aos seus ministros: "Para que as iniciativas do Governo no domínio da habitação tenham algum efeito em tempo útil, eu aconselharia o seguinte, no quadro da discussão pública. Em primeiro lugar, aconselho que o Governo se encoste à credibilidade das câmaras municipais, colocando-as no centro da resolução da crise da habitação nos respectivos concelhos. Em segundo lugar, aconselho o Governo a que afaste a absurda ideia de fazer do Estado um agente imobiliário activo, substituindo os empresários e os proprietários das casas, e que perceba que os senhorios não são um instrumento de política social (os livros ensinam que os instrumentos fundamentais da política de redistribuição do rendimento são os impostos e as transferências públicas, e não as rendas dos senhorios). Em terceiro lugar, aconselho o Governo a que deixe de lado preconceitos ideológicos e perceba que não é possível aumentar significativamente a oferta de casas sem a participação activa dos investidores privados."
"Mesmo que o Governo acolha estas três sugestões, tenho muitas dúvidas de que o novo programa tenha sucesso", concluiu.
O PS reagiu entretanto pela voz de João Torres, secretário-geral adjunto. “Seria expectável por parte de um antigo chefe de Estado um espírito mais construtivo e menos destrutivo", disse à rádio Observador.
Trinta anos de PER
Ao lado de Carlos Moedas, na primeira fila do evento, Cavaco Silva assistiu a toda a conferência e ouviu o debate entre os autarcas de Oeiras (Isaltino Morais), Matosinhos (Luísa Salgueiro), Cascais (Carlos Carreiras), Loures (Ricardo Leão) e Porto (Filipe Araújo, vice-presidente de Rui Moreira).
O Programa Especial de Realojamento foi lançado em 1993, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro, através do decreto-lei 163/93, o qual definia como objectivo “a erradicação definitiva das barracas existentes nos municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mediante o realojamento em habitações condignas das famílias que nelas residem”. A medida acabou por se estender a quase três dezenas de municípios, tendo beneficiado 48 mil agregado familiares, segundo recordou Cavaco Silva.
"Tratou-se de erradicar na Área Metropolitana de Lisboa 28.600 barracas e 13.400 na Área Metropolitana do Porto e de realojar 48.000 agregados familiares", disse.