Daqui a umas dezenas de anos este tinto de Colares será um Senhor Vinho

Escolhi dois vinhos pela fiel representação das regiões onde nascem, o que nos obriga a reflectir sobre essas regiões, mais do que a fiel representação de a “árvore” reflectir sobre “floresta”.

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Uma das sugestões de Paulo Nunes neste "O Vinho dos Outros" é um tinto de Colares de 2010, que o enólogo beberia com prazer redobrado "daqui a umas dezenas de anos" Sérgio Azenha

Escrever apenas e somente sobre dois vinhos é ingrato. E porquê ingrato? Porque, obviamente, poderiam ser centenas de escolhas diferentes e todas elas estariam justificadas na sua plenitude, o que felizmente revela a riqueza deste país. Não conheço nenhum “rectângulo” desta dimensão geográfica com tanta riqueza com tamanha heterogeneidade, felizes daqueles que vivem neste belo rectângulo chamado Portugal.

Escolhi dois vinhos pela fiel representação das regiões onde nascem, o que nos obriga a reflectir sobre essas regiões, mais do que a fiel representação de a “árvore” reflectir sobre “floresta”.

O primeiro vinho leva-me a Lafões, região histórica e infelizmente muitas vezes esquecida dos palcos que merece. Com condições edafo-climáticas únicas, fruto de um anfiteatro natural voltado para o Atlântico, toda a região é protegida pelo Caramulo e pelo Maciço da Gralheira, existindo apenas uma enorme porta aberta pelo rio Vouga até ao Atlântico. E este vinho Quinta da Moitinha Branco 2021 (entre 5 e 8 euros, dependendo dos pontos de venda) dá-nos tudo isso, sentimos a salinidade do Atlântico e sentimos a altitude do anfiteatro natural, vinho complexo, austero, sério e, felizmente, sem concessões a tendências que poderiam deturpar a sua origem. Aplaude-se quem assim respeita a origem e a mim resta-me agradecer o prazer de o ter à minha mesa.

O segundo vinho leva-me a Colares, onde existe um trabalho hercúleo de viticultura, ali o querer e a teimosia humana juntam-se a uma resistência ímpar de uma planta chamada videira. Se o termo viticultura extrema existe ali, poderá ainda assim ser insuficiente, tal é a grandiosidade destas pequenas vinhas de enormes videiras seculares. Talvez o termo seja mesmo museu vivo. E é obrigatória a visita a este museu ao ar livre.

Juntamos a essa viticultura um trabalho paciente geracional de saber fazer vinho com aquelas uvas e chegamos a um histórico produtor deste país, de nome António Bernardino Paulo da Silva. O vinho que escolhi foi o Colares Chitas Reserva Velho Tinto 2010 (o preço médio nas garrafeiras que listam a referência é 55 euros). Provavelmente a esta hora estarão a pensar se não será demasiado cedo para beber este vinho. E a resposta é muito clara: sim e não! Não, porque é um vinho que dá imenso prazer à mesa com a sua rebelde juventude. Sim, porque facilmente o beberíamos daqui a umas dezenas de anos com a maturidade e a nobreza de um Senhor Vinho. Ambas as situações me dão enorme prazer!

É difícil descrever este vinho com os adjectivos usualmente utilizados. A casta Ramisco, que serve de base a este vinho é de enorme carácter e singularidade, dá vinhos elegantes com enorme garra sem nunca serem pesados! Confesso-vos um pequeno episódio e o orgulho que tive enquanto português quando, há uma boa meia dúzia de anos, uns amigos noruegueses me levaram a um famoso wine bar no centro de Oslo, onde bebemos a copo Colares Chitas 1968, que grandioso vinho! Perguntei a mim mesmo onde seria possível, à época, beber um vinho daqueles a copo num wine bar em Portugal.

Felizmente essa realidade começa a mudar. E há também novos produtores a fazer um trabalho notável nesta histórica região.

Tenhamos o respeito e a coragem de dar palco a quem merece e estes dois vinhos e estas duas regiões definitivamente merecem.

Este artigo é publicado no âmbito de um desafio lançado pelo Terroir a vários enólogos para escreverem sobre O Vinho dos Outros

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