Militares que recusaram embarcar no Mondego “tranquilos” com cancelamento das suas audições

Paulo Graça, advogado de defesa dos marujos, nota que a sua insubordinação não se deveu apenas às questões de segurança do Mondego, mas a “motivos amplos”. Não concretiza, todavia, quais.

Foto
Advogados de defesa dizem que Gouveia e Melo "executou em praça pública" os militares que se insubordinaram LUSA/HOMEM DE GOUVEIA

A defesa dos militares que não embarcaram no NRP Mondego está “satisfeita” com o facto de o Ministério Público (MP) “parecer querer seguir um caminho diferente” daquele que está alegadamente a ser tomado internamente na Armada. Estes marinheiros encontram-se “serenos e tranquilos” com a decisão de o Ministério Público cancelar as suas audições.

Ao PÚBLICO, Garcia Pereira, um dos advogados de defesa dos 13 militares acusados de insubordinação por não integrarem uma missão há cerca de semana e meia, afirma que o facto de o MP “dar sem efeito a diligência da constituição de arguido e da aplicação de termos de identidade e residência pode significar uma série de coisas”. Entre elas, a de que “pretende conhecer melhor os processos e realizar diligências”, o que, “evidentemente”, deixa a defesa “satisfeita”.

“Tal [decisão do MP] significa uma lógica diferente daquela que o almirante Gouveia e Melo [chefe da Armada] tratou de imprimir aos processos disciplinares: acusação, julgamento, antecipação e execução em praça pública dos militares”, começa por explicar. “Aqui, o MP parece querer seguir um caminho diferente desse. Se for isso ficamos satisfeitos”, completa.

No entendimento do advogado, o MP não ter escolhido uma nova data para as audições pode ter que ver com o facto de “poder haver coisas que o MP entende que têm de ser feitas antes da inquirição" e não ser capaz de “prever exactamente qual o tempo que tais diligências ou actos prévios durarão”.

Questionado sobre como os marinheiros receberam esta notícia, Garcia Pereira di-los “tranquilos, serenos e com grande dignidade”. Indignados, também, “pelo auto de fé de que foram alvo e pela sua condenação antecipada”.

No seu entender, estes 13 marujos (9 praças e 4 sargentos) foram tratados de “uma forma absolutamente indigna”. Gouveia e Melo ter condenado publicamente a sua insubordinação “fez com que os processos disciplinares estejam feridos de morte”. “Os processos [disciplinares, pela Armada] estão pré decididos, mas o processo-crime, embora compita à Polícia Judiciária Militar (PJM) a investigação, é diferente. A titularidade do inquérito é do MP: e aí as coisas têm obrigação de correr de forma diferente”, considerou ao PÚBLICO.

“Motivos amplos”

À saída das instalações da PJM, no Restelo, em Lisboa, Paulo Graça, que também integra a defesa dos militares, adiantou que estes irão agora "normalmente exercer as funções nos postos que lhes foram atribuídos" e "trabalhar normalmente".

Referiu ainda que a decisão dos militares em não integrarem esta missão deveu-se a “motivos amplos” e não estritamente às faltas de condições do NRP Mondego. Requerido pelo PÚBLICO para que concretizasse esses “motivos amplos”, Paulo Graça recusou-se a fazê-lo, afirmando, todavia, que no futuro serão tornados públicos.

“Homens de 40 anos com uma carreira feita não tomam uma decisão destas porque lhes apeteceu. Para percebermos o que se passou temos de entender muita coisa que está para trás e que não foi trazida até agora a lume”, começa por justificar ao PÚBLICO. Questionado sobre quando virão essas coisas “a lume”, Paulo Graça responde que isso “está dependente do andamento do processo”, mas garantiu que acabará por acontecer.

"Serão conhecidos com toda a certeza no momento próprio e no âmbito dos processos próprios: não nos podemos adiantar, a justiça vai fazer o seu caminho, nomeadamente a justiça civil. Quanto à justiça da Armada, já sabemos aquilo com que contamos", afirmou também.

Questionado sobre se considera que esta suspensão se deve ao facto de a defesa invocar que houve indícios de provas que foram apagados pela Marinha, Paulo Graça rejeitou comentar o assunto.

“13 processos disciplinares, 13 farsas”

Paulo Graça disse ainda que já está a haver tramitação dos processos disciplinares na Armada, apesar de ainda não conhecer os seus contornos, mas antecipou que vão ser "verdadeiras farsas".

"O senhor almirante, chefe do Estado-Maior da Armada, já determinou para dentro da Marinha o que é que ele entendia relativamente a isso. E, portanto, os 13 processos disciplinares serão provavelmente 13 farsas", disse.

O advogado referiu que as sanções previstas no âmbito desses processos da Marinha "podem ir até à prisão disciplinar por 30 dias numa unidade", sendo essa a "sanção mais elevada que o regulamento de disciplina militar prevê".

Estavam agendadas para a manhã e tarde desta segunda-feira audições da PJM aos 13 militares que se insubordinaram por não embarcarem numa missão de acompanhamento de um navio russo ao largo do Porto Santo, na passada semana.

Todavia, essas audições foram canceladas, por decisão da procuradora, que quer analisar o processo com mais detalhe. Os 13 militares não foram constituídos arguidos, nem foi estabelecido um novo prazo para audição.