Um pai ucraniano foi a Moscovo resgatar os filhos que iam ser adoptados

Ievhen Mezhevii esteve detido durante um mês e meio e perdeu o rasto aos filhos. Para os ter de volta deslocou-se pessoalmente à capital russa.

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Vladimir Putin com Maria Lvova-Belova, a comissária de Protecção dos Direitos da Criança, ambos alvos de mandados internacionais de captura SPUTNIK/Reuters

Um homem ucraniano que passou 45 dias detido pelo Exército russo depois da tomada de Mariupol, no ano passado, descobriu ao sair da prisão que os seus três filhos tinham sido enviados para Moscovo e decidiu ir buscá-los à capital russa.

Ievhen Mezhevii, de 40 anos, escondeu-se com os filhos Matvii, 13, Sviatoslava, 9, e Oleksandra, 7, logo no primeiro dia da invasão, a 24 de Fevereiro de 2022. Passaram semanas de esconderijo em esconderijo, até que assentaram na cave de um hospital de Mariupol que, mais tarde, seria tomado por soldados russos.

No princípio de Abril, contaram Ievhen e Matvii à Vanity Fair, a família e centenas de outros ucranianos que ali viviam para se refugiar das bombas e dos combates foram levados para Vinohradne, uma aldeia nos arredores. Ao examinarem os documentos de Ievhen, e constatando que ele tinha prestado serviço militar entre 2016 e 2019, levaram-no e aos filhos para uma sala à parte.

Depois, separaram-se: Ievhen passou um mês e meio detido e não sabia para onde os filhos tinham ido. Quando saiu da prisão de Olenvinka, que os russos usaram durante muito tempo como local de detenção de prisioneiros de guerra ucranianos, pôs-se a caminho de Donetsk, onde estava a sua documentação e onde esperava obter informação sobre o paradeiro das crianças.

Ao chegar à cidade, Ievhen recebeu de volta os seus documentos, mas uma funcionária da autoproclamada República Popular de Donetsk informou-o de que as certidões de nascimento dos filhos tinham desaparecido. “Os seus filhos voaram para a região de Moscovo hoje, às cinco da manhã, para umas férias no campo de Poliani”, terá dito a mulher.

Inicialmente, Ievhen diz ter ficado “histérico” com a informação, mas passado algum tempo conseguiu falar com os filhos por telemóvel e acalmou-se. Planeava arranjar um trabalho e, já com algum dinheiro no bolso, pôr-se em contacto com o tal campo na Rússia para que lhe restituíssem as crianças.

Mas um dia, em Junho, os filhos de Ievhen foram chamados à biblioteca. “Eram três mulheres dos serviços sociais”, afirmou Matvii à Vanity Fair. “Uma delas disse: ‘Sabem, o vosso pai não consegue vir agora. Nós não vos podemos levar [para Donetsk] porque há lá combates. Por isso, podemos mandar-vos para uma casa de acolhimento por algum tempo’.”

O rapaz insistiu que não tomaria nenhuma decisão sem falar previamente com o pai. Matvii telefonou a Ievhen e disse-lhe que tinha cinco dias para os ir buscar, antes que fossem adoptados ou para um orfanato. “Percebi que não tinha tempo de procurar trabalho. Tinha de arriscar, ir à Rússia e tirá-los de lá o mais depressa possível”, contou Ievhen ao The Guardian.

Como não tinha dinheiro para a viagem, o homem recorreu à ajuda de voluntários, que, além de financiarem a deslocação, também escreveram uma carta em seu nome a pedir ao gabinete de Vladimir Putin que deixasse as crianças regressarem à Ucrânia com ele.

“Foi muito difícil atravessar para a Rússia a partir dos territórios ocupados. Fui interrogado uma e outra vez, apesar de já ter passado 45 dias na prisão deles e de só querer recuperar os meus filhos. Mas ninguém queria saber disso. Por fim, atravessei a fronteira e pus-me num comboio para Moscovo”, relatou ao jornal britânico.

Ievhen Mezhevii diz ter ficado “chocado” quando percebeu que o campo de férias em que os filhos estavam era um local “rodeado por vedações altas a toda a volta e com portões de ferro”. À Vanity Fair, explicou que o sítio era “controlado por guardas com bastões”.

O pai das três crianças foi obrigado a preencher muita papelada e foi interrogado por pelo menos cinco pessoas, incluindo um funcionário da Comissão de Protecção dos Direitos das Crianças, para cuja presidente, Maria Lvova-Belova, foi emitido um mandado de captura na sexta-feira pelo Tribunal Penal Internacional.

Também o filho mais velho, Matvii, teve de preencher um documento a pedir formalmente que a sua custódia e a das irmãs passasse novamente para o pai. “Um rapaz de 13 anos teve de escrever este disparate”, insurge-se Ievhen. “Completamente absurdo. Mas sabe que mais? Não quero pensar mais nisso. Até hoje não consigo acreditar naquilo por que eu e os meus filhos passámos. Mas, felizmente, já os tenho de volta.”

Quando saiu de Moscovo, Ievhen decidiu que o melhor para a família era mudar-se para a Letónia. É em Riga que vivem actualmente.

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