Samsung acusada de usar inteligência artificial para fabricar imagens da Lua

A Samsung é acusada de usar algoritmos para fabricar imagens da Lua a partir de outras fotografias. A controvérsia vem com um debate, maior, sobre o papel da inteligência artificial na fotografia.

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A Samsung é acusada de usar imagens em alta definição da lua para fabricar fotografias RAQUEL MANZANARES/EPA
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A Samsung é acusada de usar imagens em alta definição da lua para fabricar fotografias SAMSUNG
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Novos Galaxy S23 Plus, S23 Ultra e S23 Samsung

A Samsung está a ser acusada de usar inteligência artificial para criar digitalmente algumas fotografias que são tiradas com os smartphones da série Galaxy – em particular, fotografias da Lua. Uma das características destes telemóveis topo de gama é que permitem captar melhores imagens, independentemente das condições de luz, com os modelos mais recentes a usar algoritmos para melhorar os pormenores dos objectos captados.

A controvérsia surgiu na semana passada, depois de um utilizador na plataforma de fóruns Reddit fotografar uma imagem desfocada da Lua no ecrã do seu computador com um smartphone da marca. A imagem final incluía pormenores da superfície do satélite natural que a imagem original, desfocada, não tinha. “As fotografias que a Samsung tira da Lua são falsas. O marketing da Samsung é enganoso. [A empresa] está a acrescentar pormenores quando não existem”, resumiu o utilizador ibreakphotos, no Reddit. A publicação, que gerou uma onda de críticas à marca na Internet, chega semanas depois de uma imagem de uma praia, digitalmente criada com algoritmos, ter ganho um prémio de fotografia na Austrália.

“Isto confirma as minhas suspeitas, dado que tentei tirar uma fotografia de postes de iluminação pública a cerca de um quilómetro e meio [de distância] e ficaram desfocados [comparativamente às fotografias da Lua]”, acrescentou outro utilizador do Reddit. “O telefone continua a ser óptimo, mas isto parece um pouco enganador.”

Contactada pelo PÚBLICO, a equipa da Samsung salienta que nunca negou a utilização de inteligência artificial nos Samsung Galaxy S – é um elemento destacado, recorrentemente, desde o Galaxy S10, apresentado em 2019. O modelo de topo da série S23, lançada em Fevereiro, foi mesmo apresentado como ideal para “astrofotografar” devido a um novo algoritmo treinado com imagens de alta qualidade.

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À esquerda, fotografia original. À direita, fotografia do Samsung ibreakphotos no Reddit

“Quando um utilizador tira uma fotografia da Lua, a tecnologia de optimização de cena baseada em inteligência artificial reconhece a Lua como o objecto principal e tira várias fotografias para composição de múltiplos fotogramas”, lê-se na resposta oficial da Samsung, enviada por email. Depois, esta funcionalidade “realça os pormenores da qualidade e cores da imagem”.

A ferramenta de optimização de cenas (que pode ser desactivada) detecta, assim, automaticamente, quando alguém está a tentar tirar uma fotografia de determinados objectos e cenários – a Lua faz parte da lista. Quando isto acontece, a câmara tira várias fotografias num curto período de tempo e combina-as para produzir um resultado melhorado. A tecnológica usa redes de algoritmos para optimizar pormenores da fotografia final através de imagens de alta resolução da Lua que são usadas como referência. A equipa da Samsung acentua que “a inteligência artificial não aplica qualquer sobreposição de imagem à fotografia” – no fundo, os algoritmos corrigem “ruído visual” (imagens granuladas ou desfocadas), comparando as fotografias originais com outras imagens de alta resolução de determinados objectos.

Numa explicação mais específica, publicada esta quarta-feira no site da Samsung, a empresa sul-coreana adianta que as imagens usadas pelo motor de reconhecimento de objectos foram todas tiradas da Terra.

“Há uma diferença, quando múltiplos fotogramas são combinados para recuperar pormenores que de outra forma se perderiam, e isto [tecnologia da Samsung], onde se tem um modelo específico de inteligência artificial treinado num conjunto de imagens lunares, de modo a reconhecer a Lua e [recriar] a textura da Lua”, insiste, no entanto, o utilizador da publicação original no Reddit.

O papel da inteligência artificial

A discussão em torno das fotografias da Lua da Samsung faz parte de um debate, maior, sobre a utilização de inteligência na captação de fotografias e criação de imagens digitais. A utilização de algoritmos para melhorar a qualidade das imagens captadas com smartphones é algo que várias fabricantes de telemóveis fazem há anos.

A Huawei enfrentou críticas semelhantes à Samsung em 2019, na China, devido à tecnologia do smartphone P30 Pro – esse debate, porém, ficou-se pelo Weibo (plataforma chinesa equivalente ao Twitter).

“A imagem final continua a ser fotografia. Só não é a fotografia de quem carregou no botão. É a fotografia de quem carregou no botão e das pessoas que tiraram as fotografias para treinar o sistema”, diz o português Pedro Nunes, fotojornalista da Reuters em declarações ao PÚBLICO. “Eu percebo que exista interesse das pessoas nesta tecnologia. Deve ser apelativo tirar uma fotografia sem pensar em nada e obter um resultado maravilhoso, mas não percebo o gozo.”

A visão do engenheiro sueco Emil Wallner, que criou um programa de inteligência artificial para colorir fotografias antigas, difere. “No contexto da autoria, um fotógrafo continua a ser visto como o autor primário de uma imagem, mesmo quando foi automaticamente editada por um sistema de inteligência artificial. A visão e a criatividade do fotógrafo são as forças motrizes da composição e escolha do sujeito”, explica o criador da ferramenta Pallete em conversa com o PÚBLICO.

“Qualquer fotografia tirada com uma câmara distorce a realidade até certo ponto, consoante factores como a lente e a tecnologia que foi utilizada. A inteligência artificial acrescenta mais uma etapa neste processo”, continua Wallner, que, no passado, integrou o programa de investigação de inteligência artificial e arte da Google.

“Aquilo que diferencia uma fotografia de um conjunto de dados de uma imagem ainda não é claro”, escreveu Yuxin Whang, estudante de doutoramento no Departamento de Estudos da Informação na Universidade de Toronto, no Canadá, num ensaio sobre a controvérsia da Huawei na China. “A imagem da Lua produzida pelo Huawei P30 Pro sofre uma série de mediações”, frisou. “Quando permitimos que os algoritmos decidam o que são características [da] Lua, ao mesmo tempo que eliminamos discriminadamente pormenores atípicos e estranhos, a própria noção de ver e imaginar o mundo foi tecnicamente recontextualizada num novo horizonte.”

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Esta imagem, criada com algoritmos, ganhou um prémio de fotografia na Austrália Absolutely Ai

Em 2023, também já existe tecnologia que permite criar imagens do zero. Ferramentas como o DALL-E , do laboratório de inteligência artificial OpenAI, que criou o ChatGPT, são capazes de fabricar imagens digitais originais ao juntar fotografias guardadas em gigantescas bases de dados.

Em Fevereiro, a tecnologia do estúdio de inteligência artificial australiano AbsolutelyAI mostrou as capacidades da tecnologia para simular a realidade, quando ganhou o primeiro prémio de uma competição de fotografia com a imagem de uma praia, ao pôr-do-sol. Os engenheiros não aceitaram o prémio. “[Candidatámo-nos] para provar que estamos num ponto de viragem com tecnologia de inteligência artificial”, justificou o estúdio, num texto sobre a experiência. “Pode uma imagem gerada por inteligência artificial não só passar despercebida [na forma como foi produzida], mas ser realmente premiada com o prémio máximo por um especialista em fotografia? A resposta é, retumbantemente, sim.”

Os especialistas com quem o PÚBLICO falou dizem que é importante falar mais sobre o assunto. No começo deste ano, um grupo de artistas apresentou um processo em tribunal contra empresas de geração de imagens, por causa da utilização de imagens protegidas por direitos de autor para treinar ferramentas de inteligência artificial.

“Em alguns casos, a inteligência artificial pode produzir uma representação melhor da cena original, ao usar informação estatística do seu processo de treino”, diz o investigador sueco Emil Wallner. “Esta dependência da manipulação fotográfica corre o risco de diminuir a apreciação da diversidade natural, tanto da aparência humana como dos momentos que são captados com uma câmara.”

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