Acordo entre Riad e Teerão: um golpe para Israel, uma bofetada para os EUA
O anúncio que veio de Pequim terá causado “consternação” na Administração de Joe Biden e no Governo de Benjamin Netanyahu.
Para um país habituado a estar por trás de quase tudo o que de significativo acontece no Médio Oriente, da guerra à paz, o acordo para um reatar de relações entre a Arábia Saudita e o Irão, alcançado sob os auspícios da China, foi certamente difícil de processar pelos Estados Unidos. Em Israel, o anúncio também não pode ter sido bem recebido, e não só porque se tratar de um desenvolvimento que diminui o isolamento iraniano. Afinal, apesar de persistirem significativos obstáculos, o Governo de Benjamin Netanyahu tinha assumido o objectivo de assinar um acordo de paz com a monarquia do Golfo Pérsico.
“Este é um ataque brilhante da China e do Irão para minarem as relações entre os sauditas e os americanos e a normalização entre sauditas e israelitas”, defendeu, ouvido pela agência Reuters, Mark Dubowitz, presidente do Foundation for Defense of Democracies, de Washington, um instituto que esteve ligado aos neoconservadores e promove uma polícia externa norte-americana de linha dura.
Netanyahu, lembraram os jornais israelitas, decidira alimentar as expectativas sobre a normalização com Riad para sublinhar as suas credenciais de política externa. Progressos no caminho da normalização com a principal potência do islão sunita seriam especialmente bem-vindos num momento em que enfrenta importantes protestos contra políticas do seu Governo. Tendo em conta as suas próprias fragilidades, o veterano primeiro-ministro queria tudo menos confirmar que Washington deixou de ser a influência incontestável na região.
Considerando que o acordo anunciado em Pequim na última sexta-feira terá “causado considerável consternação” nos EUA e em Israel, a analista Maha Yahya escreve no site do Carnegie Endowment for International Peace que “o papel desempenhado pela China foi uma bofetada na cara da Administração de Joe Biden”, ao mesmo tempo que “mina o objectivo israelita de criar uma aliança regional contra o Irão”.
Os históricos Acordos de Abraão, lançados com o pacto de normalização entre Israel e os Emirados Árabes Unidos (seguiu-se o Bahrein, logo depois, e, mais tarde, Sudão e Marrocos), que Netanyahu celebrou em 2020 como uma vitória estratégica, foram um “pesadelo estratégico para o Irão” (como escreveram na revista Foreign Policy Maysam Behravesh e Hamidreza Azizi). O passo seguinte e que tem estado a ser preparado com Washington era a tal aliança – de potências sunitas e de Israel – para isolar e neutralizar o Irão, com o seu programa nuclear a apoio a milícias xiitas activas em vários países da região.
Apesar da “consternação” causada, Yahya espera que o acordo traga consequências importantes e sublinha que, “pela primeira vez em muitos anos, parece que algo está a mudar” na região. A directora do Centro do Médio Oriente do Carnegie vê neste acordo “o reflexo de um cansaço generalizado com o conflito na região e um desejo dos actores regionais em assumirem a liderança na definição do futuro do Médio Oriente”.