Debate sobre prisão perpétua na Constituição gera troca de acusações entre Chega e BE
Comissão de revisão constitucional discutiu dois artigos da Lei fundamental em duas horas e meia.
A rejeição de todos os partidos à consagração da prisão perpétua na Constituição para punir crimes contra a vida ou integridade física, como propõe o Chega, foi confirmada na reunião desta terça-feira da comissão de revisão constitucional, com o debate a tornar-se acalorado e a gerar uma troca dura de acusações entre Pedro Filipe Soares e André Ventura.
O deputado bloquista condenou “com o peso das palavras” as referências que o líder do Chega fez ao crime desta terça-feira em que uma criança terá sido morta pelo seu avô. “Esta é a extrema-direita que não tem nenhuma empatia com as vítimas para fazer valer as suas posições políticas, é grotesco como o fez”, afirmou Pedro Filipe Soares.
André Ventura contrapôs: “A extrema-esquerda tem empatia com os criminosos – pedófilos, violadores, homicidas. É uma escolha nossa, é estar contra estes bandidos.” Uma acusação que Pedro Filipe Soares repudiou.
Os termos “injuriosos” usados na discussão levaram a que o deputado do Livre, Rui Tavares, anunciasse que irá colocar a questão em reunião com os coordenadores da comissão.
Se o líder do Chega assumiu ver a data desta terça-feira como “um bom dia” para se discutir a consagração da prisão perpétua na Constituição, seguindo “vários países europeus”, a socialista Isabel Moreira concluiu o contrário: “Eu diria que é um bom dia para negar a prisão perpétua, para a adesão ao nosso Estado de Direito – relembrar a sua abolição em 1884 – que acredita na regeneração da pessoa”.
Já a social-democrata Mónica Quintela reconheceu ter hesitado desenvolver o debate por ser uma matéria tão clara em que põe uma “linha vermelha inultrapassável”. “Nunca é demais refutar as propostas populares e populistas. O Estado de Direito e democracia precisam de ser cuidadas e bem tratadas”, sustentou, depois de fazer um resumo histórico da abolição em Portugal de várias penas como os “açoites” e “marcas de ferro quente” no século XIX.
André Ventura voltou a colocar a hipótese (já o tinha feito a propósito de outro artigo) de Osama bin Laden ter sido "apanhado em Portugal" e, nesse caso, ser condenado a 25 anos de prisão pelos atentados nos EUA em 2001. "Já estaria em liberdade, teria saído pelo seu pé e com sorte ainda conseguia algum subsídio do Estado. Alguém acha isto razoável?”, questionou. Pedro Filipe Soares respondeu: “Se Bin Laden estivesse vivo e vivesse em Portugal, provavelmente seria militante do Chega.”
A troca de acusações entre o BE e o Chega levou a presidente da comissão em exercício, Marta Temido, a advertir para o teor do debate, depois de o presidente, José Silvano, já ter mostrado alguma exasperação pela divagação no debate e o prolongamento dos tempos de intervenção.
“Já não sei os artigos que estamos a discutir, mas devem ser vários”, disse, depois de a discussão sobre os deveres de educação dos filhos ter resvalado para a “doutrinação” nas escolas, e a divulgação de conteúdos LGBT na Hungria, prolongando-se por uma hora e meia.
No âmbito do artigo 36.º (família, casamento e filiação), os deputados rejeitaram igualmente outra proposta do Chega para apenas permitir o casamento a partir dos 18 anos com o argumento de que não é pela via constitucional que se resolvem práticas de casamentos infantis ou forçados. O liberal João Cotrim Figueiredo considerou que as alterações propostas pelo Chega ao artigo 36.º têm dois propósitos: “Envolve um preconceito contra a comunidade cigana e a outra é a família Mesquita Guimarães.”
Já uma outra proposta do PS, para o número 2 do artigo 36.º, que pretendia acrescentar que a lei também regula o regime das pessoas que vivem em união de facto, não foi acolhida pelo PSD. “Actualmente, a união de facto já está na Constituição através do conceito de família”, argumentou a social-democrata Paula Cardoso, citando o constitucionalista Gomes Canotilho.
As reuniões da comissão de revisão constitucional têm decorrido sem limitações de tempo nas intervenções individuais, apenas mantendo um máximo de três horas por sessão, com vista a permitir um amplo debate, mas é possível que a questão dos temos de intervenção seja reavaliada nesta quarta-feira entre os coordenadores dos grupos parlamentares.