O grupo Roullier, gigante da Bretanha que tem como core business a nutrição vegetal e que em 2017 comprou a Falua — estreando-se então, e no nosso país, como proprietário de vinhas e vinho —, quer fazer de "Portugal o primeiro pólo para a sua internacionalização no mundo do vinho". O administrador Rui Rosa revelou, ao Terroir, que hoje a discussão que é feita internamente é sobre "as próximas Faluas, a instalar noutros países".
A Falua anunciou, em Fevereiro, investimentos superiores a 5 milhões de euros, que englobam a aquisição de mais vinhas próprias e novas plantações, quer no Tejo, quer nos Vinhos Verdes, confirmando o que Rui Rosa, administrador da Falua Portugal e presidente de uma das empresas do grupo Roullier, viu há mais de seis anos. Que, "para além das [potenciais] sinergias todas com a actividade" principal do grupo, havia na Falua "todo um potencial de desenvolvimento".
Na Charneca, enquanto percorre a icónica — e única, dizem-nos que só existirá coisa parecida em Châteauneuf-du-Pape, no vale do Rhône, França — Vinha do Convento, Antonina Barbosa, directora-geral e de enologia da Falua, explica-nos como aqueles 40 hectares em breve serão 120. "Aqui temos 45 hectares de terreno, 40 têm vinha e agora, com os 80 hectares que adquirimos, ficaremos com uma área de 120 hectares". No Tejo serão ao todo, 200 hectares de vinha própria, a que se somam outros 200 de viticultores a quem a Falua compra uva. A mancha verde vivo (um enrelvamento propositado) que avistamos para lá do manto de calhaus brancos é a primeira área (30 hectares, dos tais 80, outrora de cereais) onde a Falua plantará 60 hectares de vinhas novas, que se somarão à reconversão, já feita, de outros 17.
O primeiro objectivo, explica Antonina Barbosa, é "aumentar a produção, mantendo a mesma qualidade". "É pegarmos naquelas castas que funcionam aqui muito bem e que já são base histórica dos nossos vinhos e aumentarmos a área de produção, para podermos crescer. Mas também vamos pôr castas novas, vamos experimentar." Falando em crescimento, a estratégia da Falua nos próximos anos passará por "descobrir projectos novos, que [lhe] tragam diferenciação e [lhe] permitam produzir qualidade", deixa escapar a gestora. Assim foi com a Quinta do Hospital, em Monção (de onde a enóloga é natural), adquirida em 2021, e assim, deduzimos, será com investimentos futuros.
O segundo propósito é "proteger aquilo que é a vinha mais emblemática [da Falua], a Vinha do Convento", frisa a responsável. De acordo com um estudo feito já depois da aquisição da empresa pelo grupo francês, por sugestão do seu fundador, Daniel Roullier, que assim que ali chegou se apaixonou pelo terroir que "há 400 mil anos era leito do rio Tejo", não só a famosa elevação está coberta por calhau rolado, como, descendo vários metros em profundidade, a composição daquele solo continua a ser maioritariamente pedra. Uma pedra que tanto serve como termóstato da vinha como, sob temperaturas extremamente elevadas, pode cozer as uvas. Uma pedra que torna o solo mais ácido que tudo ali à volta e que os vinhos elegantes e distintos. "É impressionante. O que não é pedra é areia."
Primeira veio a vinha, depois o vinho
Impressionante também a capacidade de resiliência da videira, que em solos assim, com grande permeabilidade à água e, portanto, baixa retenção, tem de esticar as suas raízes de forma a ir buscar aos solos outras reservas. De água, e não só. Hoje os bioestimulantes com princípio activo à base de algas que o grupo vende no mundo inteiro também ajudam a corrigir desequilíbrios na exigente Vinha do Convento, onde, garante Antonina, a intervenção é mínima.
Os franceses da Roullier cedo perceberam que as algas calcárias Maerl que estão na origem da sua actividade tinham um efeito correctivo dos solos, nomeadamente da sua acidez, muito rápido e duradouro. Dos ensaios laboratoriais no seu Centro Mundial de Inovação, na Bretanha, era preciso passar aos testes de campo. No caso da viticultura, que já forneciam, porque não ter "vinhas experimentais"?
Foi assim que, depois de ano e meio à procura do terroir ideal e a maturar a ideia de entrar numa nova actividade, e com 25 anos de experiência em Portugal, a Roullier comprou a Falua. "Quando comprámos, eram 15 hectares próprios na Vinha do Convento e a adega, só", recorda Rui Rosa. Hoje, as vinhas da Falua fazem parte de um conjunto de explorações agrícolas onde o grupo testa os seus produtos antes de os colocar no mercado.
Junto à vinha original de 1996, onde quase tudo é feito à mão, acrescentou-se recentemente uma plantação nova, "cerca de 1 hectare" de Verdelho, casta que já entra no lote do Conde Vimioso Sommelier Edition Branco, mas que empresa comprava a parceiros. Nessa parcela, não será 100% calhau, mas quase. Na vinha da Charneca (sub-região onde, já agora, o normal é o contrário: haver muita areia e uma ou outra pedra pelo meio), há também Castelão (um Castelão que encontrou ali "o terroir certo"), Touriga Nacional, Aragonês, Cabernet Sauvignon, Trincadeira Preta e Alicante Bouschet, nas tintas, Arinto, Fernão Pires e Chardonnay, nas brancas.
Há alguma que tenha mais importância para o projecto? "A Touriga Nacional, nos tintos, é uma casta muito importante para nós — já é a base do Reserva desde sempre e temos um Unoaked também —, o Castelão foi uma das castas que entrou na Vinha do Convento e é espectacular, o Cabernet Sauvignon — lançámos um Undated, que esgotou —, a Trincadeira Preta, que é espectacular mas muito difícil, provavelmente também entrará agora num novo vinho que vamos lançar. Um varietal, é a primeira vez que apresentamos assim a Trincadeira Preta. Todas acabam por ter o seu papel", responde Antonina Barbosa, a bioquímica que entrou na Falua em 2004, ainda no universo João Portugal Ramos, passou por todas as áreas da empresa e no entretanto se fez enóloga e gestora.
Mais 11 hectares em Monção e Melgaço
Também nos Vinhos Verdes, onde a Falua está desde 2020 (comprou adega nesse ano), haverá mais vinha própria: "Na Quinta do Hospital, temos 10 hectares de Alvarinho e vamos plantar mais 10 hectares no início de 2024. Estamos agora, tal como aqui, a preparar os terrenos. Em paralelo, fizemos uma vinha de 11 hectares em Vila Verde, num sítio especial que está à volta lado da Casa da Torre, que é um centro de espiritualidade da Companhia de Jesus."
No total, serão 31 hectares de vinhas próprias nas sub-regiões de Monção e Melgaço e do Cávado. Nesta, em Soutelo, Vila Verde, a Falua plantou, já no início de 2022, Loureiro. Enquanto no Alvarinho, a empresa é "praticamente auto-suficiente", no Loureiro isso não acontece e as uvas que entram no vinho branco Barão do Hospital Loureiro eram, e são, compradas a lavradores de "Esposende, Valença, Ponte de Lima e até de locais mais próximos da região do Douro, em zonas mais quentes".
A Falua também vende vinhos do Dão e do Douro e no total das quatro regiões a sua produção anda nos 4,5 milhões de garrafas por ano. Desde 2017, aumentou em 1 milhão de litros a capacidade da adega em Almeirim, que tem tectos cobertos por painéis fotovoltaicos a assegurar 35% da energia ali consumida. E, desde que mudou de mãos, lançou gama Falua, vinhos sem madeira que pretendem ser a expressão pura do terroir, e a marca Barão do Hospital, nos Verdes. Prepara-se agora para lançar o novo Alvarinho Reserva e lá mais para o início do Verão um espumante rosé de Padeiro de Basto (de uma pequena parcela que os jesuítas tinham em Soutelo e que a Falua reconverteu).
Exporta para 27 países, a exportação pesa "mais de 85%" e o investimento feito desde 2017 também olhou para essa importante dimensão do negócio, com a criação de uma estrutura comercial própria, liderada por António Montenegro, e, mais recentemente, com a contratação de três profissionais no Brasil para montar um projecto de raiz.