Colocação de procuradores foi “manifestamente ilegal”, diz Supremo Tribunal Administrativo

Processo de distribuição de magistrados pelas vagas existentes gerou “manifestas injustiças”, concluem juízes que receberam queixa de procuradora do Porto.

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A decisão do Supremo Administrativo data do início deste mês Miriam Lago (arquivo)

A forma como decorreu o último concurso de colocação de procuradores foi “manifestamente ilegal” e criou situações de injustiça entre estes profissionais, diz o Supremo Tribunal Administrativo num acórdão datado do início deste mês.

Arbitrariedade e falta de razoabilidade são algumas das expressões usadas na sentença para qualificar os critérios que presidiram à distribuição destes magistrados pelo território nacional, um processo da responsabilidade do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Apesar disso, o sindicato dos procuradores não crê que esta decisão judicial tenha efeitos significativos, uma vez que o próximo concurso já está em preparação e deverá levar em conta as objecções suscitadas neste acórdão.

O chamado movimento judicial, que distribui os procuradores pelos lugares existentes, ocorre todos os anos e há sempre quem dele reclame. Foi o que fez a procuradora Alda Fontes, uma magistrada com 18 anos de serviço que estava no Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto desde 2012 e se candidatou, em Maio passado, a 29 vagas noutros tantos serviços do Ministério Público, todas nesta cidade ou nas imediações. Quando percebeu que ia continuar no DIAP do Porto, porque outras colegas lhe tinham passado à frente no concurso, a magistrada reclamou junto do CSMP, que não lhe deu razão. A rejeição da reclamação não foi, porém, unânime: um dos membros deste órgão de disciplina e supervisão da classe, a procuradora Ana Paula Leite, deixou um voto de vencido, tendo alegado que o projecto de colocação mantinha incongruências, geradoras de “manifestas injustiças”.

É também esse o entendimento dos três juízes do Supremo Tribunal Administrativo que condenam o CSMP a colocar Alda Fontes no lugar a que tem direito. As regras que permitiram que fosse preterida perante uma candidata com menor classificação e menor antiguidade, sem levarem em conta o seu currículo profissional, “enfermam do vício de violação da lei”, pode ler-se no acórdão.

Soluções "aberrantes"

Em causa estão critérios como as classificações obtidas pelos magistrados nas inspecções a que são sujeitos, mas também a experiência na sua área de trabalho e a frequência de cursos especializados. Porém, segundo as regras definidas para o mais recente movimento, os procuradores que se candidatassem a outras áreas de trabalho que não aquela em que tivessem experiência perdiam a pontuação associada à sua especialização. Foi o caso da procuradora do Porto, que está há mais de uma década ligada à investigação criminal. Se não o conseguiu, foi por causa de regras que, no entender dos juízes do Supremo, se mostram “difíceis de compreender”, “pouco razoáveis” e que “parecem privilegiar o arbítrio”, violando o próprio Estatuto do Ministério Público.

Alda Fontes acabou por ser ultrapassada na ocupação de um lugar no Juízo de Trabalho da Maia, o 16.º da sua lista de preferências, por concorrentes que também não detinham grande especialização nesta área do Direito. Na sequência desta decisão, vai ter de ser colocada na vaga em causa, que, apesar de já ter sido ocupada, era sua por lei.

Apesar de se mostrar muito satisfeito com o resultado deste litígio – em que não representou a procuradora ­­–, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público duvida de que os seus efeitos possam estender-se a outros casos semelhantes. Até porque o próximo processo de colocação já se encontra em preparação, devendo nele ser sanadas as ilegalidades agora apontadas. O líder do sindicato, Adão Carvalho, explica que a organização que dirige também contestou o último movimento, mas que esse processo judicial ainda não teve desfecho. Em teoria, e se lhe fosse dada razão, a consequência natural seria a repetição das colocações, mas isso não se afigura exequível nesta altura do campeonato, até porque os lugares disponíveis foram ocupados há mais de meio ano e isso implicava reorganizar um processo que envolve quase 1500 profissionais.

Reverter isso seria criar um pandemónio. Mas não deixa de ser chocante o que sucedeu, admite o dirigente sindical. Apesar de quase simbólica, ressalva, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo “serve para o Conselho Superior do Ministério Público não achar que está acima da lei”. Isto apesar da complexidade subjacente ao processo de colocação, que não escamoteia: “Há uma multiplicidade de leis e critérios que não são fáceis de aplicar”, e que são susceptíveis de criar situações de injustiça relativa entre profissionais em patamares idênticos. “Mas as soluções adoptadas pelo mais recente movimento são aberrantes”, acusa Adão Carvalho.

O PÚBLICO perguntou à Procuradoria-Geral da República, junto da qual funciona o CSMP, que ilações podem ser retiradas desta decisão judicial e o que irá fazer perante o seu teor, bem como se o movimento de magistrados já assenta numa nova aplicação informática, como há cerca de ano e meio estava previsto que viesse a suceder. Mas não recebeu qualquer resposta em tempo útil. Já depois de este artigo estar publicado, esta instituição veio dizer que, transitando em julgado o acórdão, cujo prazo para eventual recurso ainda decorre, "acatará naturalmente a decisão e procederá à colocação da magistrada em conformidade com o decidido".

Já o próximo movimento de magistrados "será feito com base noutro algoritmo desenvolvido e testado". Acrescentadas explicações da Procuradoria-Geral da República às 12h50.

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