Assim cantava Vinicius de Morais e assim vivem inúmeras famílias em Portugal. Num país envelhecido, onde o Governo pede um aumento da natalidade, vemos cada vez mais famílias sem casa. Ou que para lá caminham. Portugal é dos países que tem as rendas mais altas e que menos condições dá ao povo para se sustentar. É uma combinação de falta de humanidade e de bom senso: rendas altas, ordenados míseros e pouca empatia pelos mais desfavorecidos.
Praticamente todos os meses abrem concursos de apoio à habitação em Lisboa com cerca de 40 vagas, mais coisa menos coisa, que não conseguem fazer face às cercas de cinco mil famílias que pedem ajuda. São meses e meses a concorrer persistentemente, na esperança de terem a sorte de serem seleccionados. Mas no final praticamente todos recebem um e-mail a dizer que “no âmbito do concurso nº x, notifica-se x de que a sua candidatura para habitação foi indeferida". E assim segue vida, sem saberem se no mês seguinte têm de ter os filhos a dormir ao relento numa praia em pleno Inverno.
Vinicius termina com “mas era feita com muito esmero, na rua dos bobos, número zero”.
E como o português é bobo! Deixamo-nos ser governados sem as devidas condições de usufruirmos de uma vida digna. Passamos inúmeras horas a trabalhar para recebermos ordenados que não suportam as despesas mensais – quanto mais emergências – e ainda abdicamos de tempo e qualidade em família. Não vemos os nossos filhos crescer devidamente porque passamos uma quantidade absurda de horas a trabalhar para patrões para quem somos apenas o colaborador número 432.
E, como é impossível alugar uma casa em Lisboa e arredores com o nosso ordenado, temos de trabalhar a vários quilómetros de distância e passar o pouco tempo que nos resta em transportes de regresso a casa, rezando para chegar a tempo de servir um jantar de sonhos destruídos e frustrações diárias, antes do beijo de boa noite aos nossos filhos.
Como mãe solo, dou por mim a ter de fazer contas ao mínimo pormenor de modo a conseguir suprir todas as despesas. Só que a minha realidade (e acredito que a vossa também) é a de trabalhar com pouco retorno. Os ordenados são mínimos, as contas são muitas e claro, o orçamento que resta não é suficiente.
Façamos as contas: a média de vencimento mensal líquido dos trabalhadores com quem vou falando, quer trabalhem na restauração ou num escritório, está entre os 800 e os 900 euros. A renda de um T1 no centro de Lisboa é cerca de 1000 euros e na periferia cerca de 650 euros, valores que aumentam anualmente de acordo com a percentagem estipulada pelo Estado. Só com base nestes valores, já se vê que o sonho de ter um lar é algo muito difícil.
Se ainda juntarmos a alimentação e as despesas mensais, como água, electricidade, gás, televisão e saúde, o valor médio para duas pessoas sobe 450 euros – e simulei valores por baixo para ser simpática. Façamos então as contas: 650 euros de renda e 450 euros de despesas são um total de 1100 euros. São valores superiores aos dos meus rendimentos.
Aqui não não coloquei sequer os valores de transportes ou combustível, a creche ou o material escolar, o pão, café e outros bens essenciais de que necessitamos no dia-a-dia. E sim, são bens essenciais. Somos merecedores de ter uma vida digna e segurança sobre se conseguiremos ou não pagar o nosso tecto no mês seguinte, ter um prato de comida, roupa e até um peluche ou um iogurte para os nossos filhos. Contribuímos para o país pagando os nossos impostos a tempo e trabalhando diariamente. Nós queremos viver e não sobreviver.
Onde estão as ajudas necessárias para que os cidadãos consigam viver? Estes apoios esporádicos ajudam, mas não resolvem de todo a situação. Quem me garante que quando o meu arrendamento for renovado, com as actualizações, vou ter um tecto? Os ordenados não aumentam – e quando aumentam nem chegam aos 100 euros.
Para onde vou viver com o meu filho Exmo. Sr. Prof. e Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e Exmo. Sr. primeiro-ministro António Costa? Para vossa casa?