Em Junho de 2015, a revista TV 7 Dias chamava à capa Susana Felix para noticiar que a cantora estava “acusada” de um crime. No interior da publicação, ao longo de três páginas, descreviam-se pormenores de um aspecto da vida da artista que um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, publicado a 23 de Fevereiro, veio agora considerar tratar-se “de um assunto privado”, que “não interessa objectivamente a ninguém”. Mais ainda quando, depois de averiguados os factos, “a notícia nem sequer é verdadeira”.
A notícia em causa falava de um diferendo relativo à guarda da filha menor, sendo que, contactados pela TV 7 Dias, nem Susana Felix nem o pai da criança (identificado pela publicação, embora a relação dos dois não tivesse sido publicamente assumida) o confirmaram. A artista negou; o ex-companheiro escusou-se a fazer comentários, especificam os juízes. Porém, a revista considerou tratar-se de um caso de interesse público, com o recurso a defender que os réus agiram “na prossecução de um interesse legítimo, assente no direito/dever de informar, em exercício do seu direito de livre expressão e de informação e na convicção de que os factos imputados eram verdadeiros”.
Os desembargadores da Relação, contudo, concordaram com os juízes da sentença de primeira instância: “Não se vê aqui qualquer discussão ou revelação de um qualquer interesse público para além da ‘coscuvilhice’ pura ou saciedade da curiosidade do público, que faz vender publicações. Quanto mais secreto ou escandaloso, maior o número de vendas”.
Além do mais, apesar de Susana Felix ser uma figura pública, o tribunal lembra que essa não é razão para que os indivíduos “sejam despojados do direito à salvaguarda do bom nome e reputação individuais, à imagem e reserva da vida privada e familiar garantido, a todos, sem excepção, pelo art.º 26º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”. E citam um trecho da Teoria Geral do Direito Civil, de Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos: “As chamadas ‘figuras públicas’, as pessoas com maior notoriedade, têm o mesmo direito à privacidade que todas as pessoas. Admitir para elas um estatuto pessoal degradado seria inconstitucional e colidiria com o princípio da igualdade.”
Depois de uma primeira queixa-crime por difamação e devassa da vida privada que viu ser arquivada, Susana Felix ganhou uma acção cível que interpôs contra a revista. Mas Jacques Rodrigues, presidente do Grupo Impala, que detém a TV 7 Dias (do qual é também director), recorreu da sentença de primeira instância, juntamente com outros três réus, que os condenara a pagar a Felix 35 mil euros.
Confirmando a sentença, o acórdão do tribunal superior conclui que Susana Felix sofreu “inequivocamente graves danos não patrimoniais”. Ficou provado que o episódio provocou à artista “frequentes pesadelos”, tendo passado a viver “preocupada” com o facto de a filha poder vir, um dia, a ler o artigo.