Novo recorde para um Kandinsky: 42 milhões de euros

Restituído aos descendentes dos proprietários originais, perseguidos pelos nazis, Murnau mit Kirche II foi estrela no leilão da noite de quarta-feira na Sotheby’s, juntamente com um Munch.

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Murnau mit Kirche II foi pintado por Kandinski em 1910 durante uma estadia na Baviera DR

Há pouco mais de uma década foi identificado num museu de Eindhoven, nos Países Baixos, e, posteriormente, restituído aos descendentes dos proprietários originais, espoliados da obra pelos nazis. Na noite de quarta-feira, bateu na Sotheby’s o recorde para uma pintura de Kandinsky. Murnau mit Kirche II (Murnau com Igreja II), pintado em 1910 pelo pioneiro russo da pintura abstracta, foi arrematado em Londres por 37,2 milhões de libras (cerca de 41,9 milhões de euros).

Durante muito tempo, o quadro que retratava uma paisagem da vila de Murnau, na Alemanha, decorou a sala de jantar do casal judeu Johanna Margarethe e Siegbert Stern, empresários do têxtil, afamados coleccionadores de arte e membros muito activos da vida artística berlinense nos anos 1920. Na sua casa na capital alemã, dispunha-se uma colecção de mais de cem pinturas e desenhos, conta o Le Monde.

Siegbert Stern morreria em 1935 e Johanna Margarethe, não conseguindo escapar à perseguição nazi, viria a ser uma entre as milhões de vítimas do Holocausto, assassinada em Auschwitz em Maio de 1944.

Em 1951, Murnau mit Kirche II chegou ao Van Abbemuseum de Eindhoven. Sete décadas depois, no Outono passado, seria por fim restituída aos descendentes dos Stern, após uma longa batalha legal de 12 anos. Depois do leilão, os descendentes sublinharam em comunicado que “embora nada possa desfazer os danos do passado”, a restituição da pintura teve para a família “um significado imenso”: “Fecha, parcialmente, uma ferida aberta durante gerações.”

Pintado em 1910, durante um período que Kandinsky passou numa colónia de artistas na Baviera, Murnau mit Kirche II, um dos trabalhos resultantes do período em que o pintor avançava decisivamente para o abstraccionismo, era a mais destacada das obras do leilão de arte moderna e contemporânea da Sotheby's, que prossegue esta quinta-feira.

No mesmo leilão, Ib Reading, de Lucian Freud, retrato íntimo que o pintor inglês fez da filha Isobel em 1997, e que não era visto publicamente há 20 anos, acabou por ser arrematado por um valor abaixo das expectativas da leiloeira – 17 milhões de libras (cerca de 19,2 milhões de euros), contra os 20 milhões esperados pela Sotheby's.

Os Munch escondidos num celeiro

Do lote que foi a leilão na noite de quarta-feira constava outra obra recentemente restituída: Dans på Stranden (Dança na Praia), tela monumental de quatro metros de largura de Edvard Munch, resultado de uma encomenda de Max Reinhardt, em 1906, para o seu teatro em Berlim. Fazia parte de uma composição de 12 pinturas através das quais o director teatral pretendia oferecer ao público uma imersão em cenários “da psique moderna”.

Adquirida em 1912 pelo curador e historiador de arte Curt Glaser, amigo pessoal de Munch, seria vendida, juntamente com toda a sua colecção de arte quando este, perseguido pelos nazis (Glaser era judeu), abandona a Alemanha.

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Dança na Praia, de Edvard Munch DR

Meses depois, em 1934, Dans på Stranden é comprada em Oslo por outro amigo de Munch, e seu vizinho, o armador norueguês Thomas Olsen. Quando da invasão da Noruega pelo exército alemão, em 1940, Olsen, temendo pelo destino do quadro, tendo em conta que Munch fora incluído pelos nazis na sua lista de autores de “arte degenerada”, escondeu-o, juntamente com outras dezenas de obras de Munch que detinha, num celeiro perdido nas profundezas das florestas norueguesas. Entre elas estava uma versão do célebre O Grito que, em 2012, foi arrematada por um valor recorde de 119 milhões de dólares (cerca de 112 milhões de euros).

Dans på Stranden atingiu no leilão desta quarta-feira 16,9 milhões de libras (cerca de 19 milhões de euros). O valor será dividido pelos descendentes de Thomas Olsen, mas também, resultado de um acordo de restituição, pelos de Curt Glaser, obrigado nos anos 1930 a vender a sua colecção para escapar à perseguição nazi. Após um primeiro exílio na Suíça, Glaser morreria nos Estados Unidos em 1943.

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