São rolhas, senhores. E trocam-se por árvores autóctones

Maia e Vila do Conde já recolheram 80 mil rolhas e, à conta disso, vão plantar 1500 novas árvores nos seus territórios. Participam no Rolha a Rolha, Semeia a Recolha, projecto-piloto do Green Cork.

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O Rolhinhas é o frasco de vidro que a Lipor tem entregado nos estabelecimentos do canal HORECA Nelson Garrido

Esta segunda-feira, pela manhã, era visível o entusiasmo dos mais novos ali para os lados da Avenida de Maria Santiago, em Vila do Conde. Várias crianças do concelho foram chamadas a plantar ali dezenas de árvores, fornecidas a troco... de rolhas de cortiça. Vila do Conde é um dos três concelhos que já aderiram ao Rolha a Rolha, Semeia a Recolha e, em troca das rolhas recolhidas por restaurantes, hotéis e garrafeiras daquela cidade, o município já tem 900 árvores novas.

Os miúdos das escolas que participaram na acção ajudaram a pôr na terra tenros exemplares de cipreste-do-buçaco, cipreste-comum, freixo, azevinho, nogueira-preta, loureiro, azinheira e carvalho-alvarinho, numa iniciativa da Lipor (entidade que gere o lixo no Grande Porto) que se insere no projecto Green Cork e visa incentivar a reciclagem da cortiça e contribuir para a reflorestação em Portugal. Por cada 50 rolhas recolhidas, é plantada uma árvore autóctone. Também desvia do destino do lixo indiferenciado, os aterros ou a incineração, um material que retém dióxido de carbono e que, sendo biodegradável, é menos biodegradável quando misturado com outros resíduos.

“Este projecto arrancou em Fevereiro de 2022, fomenta a recolha de rolhas de cortiça em clientes não-residenciais — restaurantes, bares, hotéis —, desviando um fluxo grande de resíduos dos não-diferenciados. Começou na Maia e em Junho aderiu ao projecto Vila do Conde. Este ano, arrancámos no Porto, um município que tem um potencial enorme, de mil possíveis estabelecimentos aderentes. E estamos em conversações com Matosinhos, para arrancar também, ainda este ano”, explicou ao Terroir Adélia Dias, técnica superior na Lipor e um dos responsáveis do Rolha a Rolha, Semeia a Recolha.

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O frasco que o projecto "Rolha a Rolha, Semeia a Recolha" está a entregar nos estabelecimentos do canal HORECA no Grande Porto Nelson Garrido
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No "Rolha a Rolha, Semeia a Recolha", 50 rolhas dão origem à plantação de uma árvore autóctone Nelson Garrido

A equipa da Lipor e da Quercus, que coordena o Green Cork, faz acções de sensibilização “porta a porta” no canal Horeca, em conjunto com técnicos dos municípios envolvidos, e deixa nos negócios um frasco de vidro, o Rolhinhas — fornecido pelo parceiro BA Glass —, onde os colaboradores desses estabelecimentos devem colocar as rolhas usadas. Uma vez cheio o frasco, as rolhas são despejadas num ecobag feito de lona reciclada. Quando o saco está cheio, deve ser colocado junto ao contentor de resíduos orgânicos ou ao dos plásticos.

“Os camiões que recolhem os plásticos e os biorresíduos têm um compartimento ao lado para as rolhas, fornecido por outro parceiro do projecto, a Extruplás. A vantagem é a optimização do transporte”, explica Adélia Dias. As rolhas seguem para um ponto maior de recolha e depois, quando o volume justifica e em conjunto com rolhas recolhidas nos ecocentros móveis, para a Lipor. “Quando temos quantidade suficiente, entregamos na Corticeira Amorim.”

É na Amorim Cork Composite que a reciclagem acontece. É feita uma triagem manual das rolhas, para separar contaminantes, e depois a cortiça é triturada e o granulado que daí resulta é utilizado para produzir corticite, um material utilizado hoje na arquitectura, no design e até nos transportes. “A única coisa para que a cortiça reciclada não dá é para fazer novas rolhas”, por motivos de segurança alimentar, refere Adélia Dias.

Acção do projecto "Rolha a Rolha, Semeia a Recolha", em Vila do Conde Nelson Garrido
Crianças de Vila do Conde foram chamadas a plantar árvores autóctones na Avenida Maria Santiago. A plantação foi possível graças à recolha de rolhas pelos restaurantes e hotéis do concelho Nelson Garrido
A iniciativa "Rolha a Rolha, Semeia a Recolha", da Lipor, insere-se no projecto Green Cork, que em 15 anos já promveu a reciclagem de 111 milhões de rolhas de cortiça e disponibilizou milhares de árvores Nelson Garrido
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Acção do projecto "Rolha a Rolha, Semeia a Recolha", em Vila do Conde Nelson Garrido

No município da Maia, onde se estreou o Rolha a Rolha, Semeia a Recolha, foram entregues, entre Fevereiro e o final de 2022, 138 quilos em rolhas de cortiça (cerca de 30 mil rolhas), por 78 estabelecimentos. A adesão ao projecto significará a plantação no concelho de 558 árvores. “As árvores são plantadas em áreas que os municípios definem”, explica Adélia Dias, e, na Maia, já foram plantados medronheiros, pilriteiros, azevinhos e loureiros no aeródromo de Vilar de Luz.

Em Vila do Conde, 53 estabelecimentos recolheram, entre Junho e Dezembro, 230 quilos de cortiça, o que equivale a 51 mil rolhas e à plantação de 900 árvores, as da Avenida de Maria Santiago incluídas. Uma adesão incrível, nota a responsável da Lipor, sobretudo porque “os estabelecimentos continuam a entregar rolhas”. Essa entrega é, de resto, registada, e numa fase posterior aquela entidade pensa organizar um concurso.

No Porto, o Rolhinhas e o ecobag já foram entregues em 150 estabelecimentos e ainda decorrem as acções de sensibilização. Em Matosinhos, o alcance potencial do projecto, que já tem a atenção de outras entidades gestoras de resíduos no país, cifra-se em “600 estabelecimentos”.

Mais de 100 milhões de rolhas

O Green Cork foi criado em 2008 pela Quercus, em parceria com a Corticeira Amorim e o Continente, e já permitiu a recolha de cerca de 111 milhões de rolhas, “um pouco acima das 500 toneladas” de cortiça, refere o seu coordenador, Pedro Sousa. “Este é o primeiro projecto de recolha selectiva porta a porta. Temos outros projectos com outros municípios e outras entidades gestoras de resíduos, mas não com esta profundidade”, sublinha o responsável.

Igualmente coordenado pela Quercus, Floresta Comum é o programa irmão do Green Cork. Criado em parceria com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, surgiu para cumprir “a promessa” da reflorestação. “Todos os anos, o ICNF dá-nos uma bolsa de árvores, produzidas nos seus viveiros, e nós abrimos as candidaturas. Quem tiver terrenos públicos ou de interesse público para fazer acções de reflorestação, pode candidatar-se”, explica Pedro Sousa.

Com apoio científico da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a Quercus já distribuiu “1,4 milhões de árvores, 120 a 150 mil árvores por ano, em média”. Essas árvores estão no Parque das Serras do Porto, em vários locais da própria Invicta, que, a braços com a Xylella fastidiosa, não tem conseguido fornecer-se de espécies resistentes à bactéria nos viveiros municipais, e no Parque Nacional de Sintra-Cascais, só para dar alguns exemplos.

“O projecto tem sido financiado pela própria reciclagem, pela própria valorização da cortiça, pelas verbas que a Amorim nos disponibiliza aquando das entregas e pelos apoios que o Green Cork tem”, conclui Pedro Sousa.

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