Doutrinada para a desconfiança

Para a minha mãe, todas as pessoas, incluindo eu, o meu pai e a minha irmã, não prestam. As mulheres então, para a minha mãe, sempre foram as piores à face da Terra.

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Mulher unsplash

Ensinaram-me a ver primeiro aquilo que está mal, o que não tem beleza, o ignóbil e sujo. Doutrinada desde criança para identificar sempre com desconfiança a bondade, os gestos de afecto, o amor e a amizade. Obrigada a ver intenções maldosas em actos que podiam ser puros, a ver segundas intenções naqueles que pareciam querer-me bem. "Ninguém dá nada de graça." "Detesta particularmente as pessoas que parecem simpáticas, debaixo da simpatia está um porco."

Para a minha mãe, todas as pessoas, incluindo eu, o meu pai e a minha irmã, não prestam. Não há ninguém no mundo que seja bom e confiável, e nem mesmo por si própria tem respeito, confiança ou consideração. As mulheres então, para a minha mãe, sempre foram as piores à face da Terra. Nenhuma tem qualidades, são todas uma "vacas", umas "mulas", umas "putas", sobretudo se forem bonitas e se arranjarem bem.

Se durante muitos anos rejeitei e abominei a forma como a minha mãe vê o mundo, um local escuro cheio de perigos, o certo é que ficou injectado em mim um veneno que me faz pensar duas vezes sobre as intenções de alguém que desconheço e muitas vezes daquelas pessoas que julgo conhecer e que me fizeram mal. Todavia, sou diferente dela, e neste esforço de comparação constante parece que acabo por afirmar a semelhança — percebi também em criança que há pessoas que não só são más como não têm limites para a maldade, e também sempre soube que depois há as outras, as raras, as que têm o coração devidamente encaixado na caixa torácica e a bater harmoniosa e regularmente sem nos causarem grandes sobressaltos ao coração.

Essas, que valem ouro — e não é uma forma figurativa de as quantificar, é mesmo literal —, é que eu nunca soube manter por perto. A verdade é que me trazem uma sensação de desconforto, não me são familiares. O meu padrão é a violência e a mesquinhez, mesmo com os que são da casa, por isso as pessoas genuinamente boas assustam-me, não sei lidar com elas. Ou simplesmente parece que surgem na minha vida na altura errada e nunca consigo encaixá-las de forma definitiva.

Aconteceu em circunstâncias adversas conhecer uma pessoa boa. Infelizmente, cruzámo-nos no período errado, tinha o coração preso que nem um cão maltratado ao meu companheiro anterior, não consegui estabelecer uma ligação sincera com aquela pessoa nova como uma casa num país estrangeiro, uma casa por estrear. Jantámos algumas vezes juntas, fomos duas ou três vezes para a cama e não passou disto. A relação com aquela pessoa não evoluiu por culpa minha, que não tinha afinal iniquidade nenhuma, contudo não conseguia desligar-me do amor maldito, distorcido e aumentado pela ausência do meu anterior companheiro, que pouco ou nada me fizera de bom.

O amor que pressentia nesta nova pessoa, que mo revelava de forma explícita sem medo de ser vulnerável, era uma tábua de salvação que deixei escapar como uma náufraga habituada a infortúnios. Quando se é doutrinada para a desconfiança, é difícil acreditar em algo assim.

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