Na rua, um homem cola cartazes ao longo das paredes de um prédio devoluto. Usando uma vassoura, espalha a cola por cima da superfície vertical, já dominada por outras espécies do género, e fixa um novo cartaz, exercendo pressão para que o pedaço de papel fique devidamente colado — trata-se de um cartaz que anuncia um novo filme.
As pessoas que circulam na rua, a pé ou de carro, parecem não reparar no homem, que continua a colar cartazes. Eu reparo nele e fico a observá-lo do outro lado da rua. (Fora de brincadeiras, fico surpreendido pela mecânica que ele imprime no processo.) É devido ao seu trabalho que aquele ponto abandonado da cidade, eminentemente triste, apresenta alguma cor. Ainda que ele apenas afixe os trabalhos idealizados e realizados por designers e fotógrafos, a energia motivada por aquele prédio, preenchido por cartazes coloridos, é da sua inteira responsabilidade. Ele não nos deve nada; o homem limita-se a cumprir a função para a qual foi contratado, contudo ajuda na decoração da cidade. Não podemos exigir ao homem que resolva os problemas de habitação da área, porém — esse é um trabalho da responsabilidade dos agentes municipais.
O prédio está devoluto, mas apresenta alguma vida. Na cidade, há muitos outros prédios devolutos que ainda não desabaram porque os seus alicerces dependem de bonitos exercícios de design, que dão a conhecer aos habitantes da cidade exposições, concertos, festas, manifestações, peças de teatro, entre outros acontecimentos. Já que ninguém faz por corrigir a situação, e ninguém parece estar verdadeiramente incomodado com a existência de edifícios feitos de pó, os designers, os fotógrafos — e os homens que colam cartazes! — tentam minimizar as consequências desta situação decrépita (literalmente).
Dizem que as paredes têm ouvidos. Eu acredito, mas vou mais longe, atrevendo-me a dizer que também têm bocas e olhos. As paredes destes edifícios mascarados de sala de exposição comunicam autenticamente com as pessoas da cidade, que, através de olhares mais ou menos atentos, descobrem episódios ocultos na vida da sua cidade.
Compreendo que a maior parte das pessoas não tem disponibilidade para prestar atenção às mensagens destes cartazes — elas caminham velozmente e raramente olham para os lados —, mas acho que, neste texto, vive uma homenagem merecida a estas peças de papel, que assistem, sem nunca piscar os olhos, às cenas citadinas. Todos os dias, passam-lhes à frente milhares de pessoas com motivos de vida distintos, mas que têm um factor em comum: vivem a mesma cidade, sendo potenciais clientes das distracções que ela oferece.
Tenho receio de estar a dar demasiada importância a meras folhas de papel, mas acredito que, se não contássemos com a sua presença nas ruas da cidade, as vivências seriam diferentes certamente (e uma pessoa verdadeiramente interessada numa determinada mostra de arte teria de a descobrir de outro modo, arriscando-se a perder o evento). Penso duas vezes e assumo que não estou, porque apercebo-me do poder que emana destes cartazes frágeis, que são um registo de tudo o que se passa na cidade, funcionando como repositório de datas e experiências que ficaram no passado e na memórias das pessoas que as viveram. A cidade, porém, avançou no tempo para abraçar o presente. Só espero que, no futuro, os prédios devolutos sejam uma realidade do passado e que homens que colam cartazes não andem por aí a disfarçar outras questões, cujas respostas não têm nada que ver com design gráfico.