IGF detectou irregularidades na indemnização da TAP a Alexandra Reis

Projecto de parecer da Inspeção-Geral de Finanças conclui que existiram irregularidades ligadas à indemnização de 500 mil euros paga pela TAP à ex-secretária de Estado do Tesouro, segundo a SIC.

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Alexandra Reis saiu da administração da TAP em Fevereiro do ano passado TIAGO PETINGA

O processo que levou à saída da antiga gestora da TAP, Alexandra Reis, com uma indemnização no valor de 500 mil euros, apresentou "fortes irregularidades", segundo consta do projecto de parecer da Inspecção-Geral de Finanças (IGF). A informação foi avançada na noite desta sexta-feira pela SIC Notícias, que noticiou ainda que tanto a administração da TAP como a ex-secretária de Estado do Tesouro já foram notificadas pela IGF para fazerem o contraditório do caso, ligado ao cumprimento das regras do estatuto do gestor público (a TAP é estatal desde Outubro de 2020).

O calendário de audiência de interessados terá acabado esta sexta-feira. Questionada pelo PÚBLICO, fonte oficial da operadora aérea afirmou apenas que "o inquérito é um processo em curso e a TAP respeitará as conclusões". Foram enviadas também questões ao Ministério das Finanças, sem respostas.

À IGF cabe, conforme já afirmou o ministro das Finanças, Fernando Medina, avaliar “todas as matérias” relativamente à legalidade do processo, “como é que foi feito, de que forma, com que normas habilitantes, com que contornos, com que informações, com que órgãos”.

A polémica remonta a Dezembro quando o Correio da Manhã noticiou que a então secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, tinha saído da TAP em Fevereiro, onde era administradora executiva, com uma indemnização de meio milhão de euros após uma incompatibilização com a presidente, Christine Ourmières-Widener, isto apesar de a empresa ter comunicado oficialmente ao mercado que a gestora havia renunciado ao cargo (o que pressupõe uma saída voluntária, sem indemnização).

Meses mais tarde viria a tornar-se presidente de uma empresa pública (a NAV, responsável pela gestão do tráfego aéreo), o que terá gerado uma irregularidade, a somar ao eventual incumprimento na indemnização e valor associado.

Logo em Janeiro, no Parlamento, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou quanto à possível violação do Estatuto do Gestor Público por parte da ex-secretária de Estado do Tesouro, que "há pelo menos uma parte onde houve uma violação", que foi quando Alexandra Reis foi nomeada para a NAV, cerca de quatro meses depois de sair da TAP, e "não repôs parte da indemnização".

O escritório de advogados que assessorou a administração da TAP neste processo foi a SRS, enquanto Alexandra Reis foi assessorada pela Morais Leitão.

De acordo com a Lusa, que cita fonte oficial da SRS, a assessoria jurídica prestada à TAP pela sociedade de advogados de Pedro Rebelo de Sousa vai cessar no final de Maio.

Devolver ou não o dinheiro

Quando um gestor é demitido por “mera conveniência”, diz o artigo 26.º do Estatuto do Gestor Público, a indemnização é reduzida se regressar ao exercício de funções ou se aceitar, no prazo de 12 meses, uma função ou um cargo no âmbito do sector público administrativo ou empresarial.

O valor a entregar é calculado pela “diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga”.

A lei refere-se à devolução quando há uma indemnização paga num caso de demissão, não quando há uma renúncia, porque, nesses casos, o Estatuto não prevê expressamente o pagamento de uma compensação.

“Nunca aceitei – e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga — qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei”, afirmou Alexandra Reis à Lusa no dia 26 de Dezembro. Uma das hipóteses em cima da mesa é a de Alexandra Reis ter mesmo de devolver parte do dinheiro recebido neste processo, entre a TAP e a NAV.

Finanças dizem desconhecer acordo

O caso levou à saída de Reis do Governo de António Costa – a governante não chegou a completar um mês de funções no cargo (tomou posse a 2 de Dezembro) – e também à do então ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos.

Antes de sair do cargo – acabou depois por revelar que estava a par da indemnização e que aprovou o acordo –, Pedro Nuno Santos e o ministro das Finanças, Fernando Medina, enviaram no final de Dezembro o dossiê da TAP para a Inspecção-Geral de Finanças e para o regulador do mercado de capitais, a CMVM, pela forma errónea como foi comunicada a saída.

Numa ida ao Parlamento, Fernando Medina, que tem reiterado desconhecer as negociações e a forma como se deu a saída de Alexandra Reis da TAP – tal como o seu antecessor, João Leão, e o ex-secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz –, afirmou que sabia da incompatibilidade da nova governante com a presidente da empresa, que ia estar na sua tutela.

Na vida profissional, disse então, "as pessoas não precisam nem de ser amigas, nem, muitas vezes, de se dar muito bem, têm de saber trabalhar em conjunto”. O caso está agora também a ser alvo de uma comissão de inquérito parlamentar, e o Ministério Público também abriu um inquérito à atribuição da compensação, processo que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.​

Solução difícil de perceber, diz Marcelo

Já ao final da tarde deste sábado, o Presidente da República defendeu que Medina terá de ponderar as consequências das conclusões da IGF.

"Se foi pedido pelo senhor ministro das Finanças, o senhor ministro das Finanças terá de ponderar exactamente as consequências do relatório. Vamos esperar para ver", respondeu Marcelo Rebelo de Sousa, aos jornalistas, à margem de uma cerimónia na Voz do Operário.

Admitindo ter sentido "dificuldade em perceber exactamente os contornos daquela solução que tinha sido encontrada” por se tratar de uma “saída pelo seu próprio pé” e não de uma “cessação forçada, unilateral”, Marcelo sublinhou que a IGF “entende que de facto há coisas que não são fáceis de explicar” e, portanto, “vale a pena olhar para isso e ver o que é que não foi bem explicado".

Antes, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, considerou, citada pela Lusa, que têm de ser retiradas consequências do caso da indemnização paga à ex-secretária de Estado Alexandra Reis e criticou o que disse ser a existência de uma “elite de privilégio a quem é permitido tudo”. O presidente do Chega, André Ventura, também se pronunciou, defendendo que Alexandra Reis deve devolver a indemnização que recebeu quando deixou a TAP.

Notícia actualizada com resposta da TAP e reacções de Bloco, Chega e Marcelo Rebelo de Sousa

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