AIMS, a tecnologia usada para controlar redes de bots e tentar manipular eleições
A tecnologia é vendida por “Jorge”, o pseudónimo de um israelita que gere campanhas de desinformação globais. As operações foram reveladas numa investigação da Forbidden Stories.
Dezenas de milhares dos perfis falsos a espalhar desinformação política nas redes sociais são geridos há anos através do AIMS, um sistema que cria programas de computador que simulam o comportamento humano (bots), com uma história de vida fabricada e contas em vários sites online. Estes falsos humanos, programados para criar divisão, falam várias línguas, incluindo inglês, russo, espanhol, francês e japonês.
As operações da rede foram desvendadas esta quarta-feira pela Forbidden Stories, uma organização francesa sem fins lucrativos que junta órgãos como os jornais The Guardian e Le Monde e a revista Der Spiegel. A missão é continuar o trabalho de repórteres assassinados, ameaçados ou presos.
Jornalistas infiltrados descobriram que a tecnologia AIMS (sigla inglesa para Soluções Avançadas de Impacto nos Media) foi usada em pelo menos 17 eleições. É desenvolvida por profissionais na cidade de Modi'in, em Israel, que são pagos por “Jorge”, o pseudónimo de um israelita que vende a tecnologia a governos e empresas em todo o mundo.
A procura por “Jorge” foi inspirada pelo trabalho de Gauri Lankesh, uma jornalista de 55 anos, que foi morta a tiro à porta da sua casa em Bangalore, na Índia, em 2017. O seu último trabalho, publicado já depois da sua morte, explorava como fábricas de bots estavam por detrás da desinformação no seu país.
Trinta mil perfis falsos
Sabe-se agora que “Jorge” – Tal Hanan, um ex-membro das forças especiais israelitas com 50 anos – está por detrás de pelo menos 30 mil bots nas redes sociais. Mas a influência vai bem além da Índia. Antes do negócio dos bots, a “Team Jorge” vendia informação obtida em ciberataques a consultoras como a Cambridge Analytica, a empresa que usou dados dos utilizadores do Facebook, sem autorização, para orquestrar campanhas políticas em todo o mundo.
Ainda não é claro como é que a tecnologia por detrás do AIMS funciona. Hanan explica apenas que os bots dependem de tecnologia de inteligência artificial. Em 2023, sistemas mais avançados de criação de textos usam algoritmos para encontrar padrões em sequências de dados e perceber qual é a melhor palavra para continuar uma frase. Os sistemas aprendem sobre o mundo ao estudar enormes bases de dados que incluem informação pública nas redes sociais. No caso da “Team Jorge”, é possível que os bots fossem treinados com a desinformação e controvérsias que deviam espalhar online.
A equipa da Forbidden Stories descobriu que as fotografias usadas eram retiradas de perfis públicos nas redes sociais e os bots eram programados para partilhar notícias e falar sobre vários temas para parecerem mais realistas. Alguns tinham contas na plataforma de alojamento local Airbnb e na Amazon.
Por exemplo, o utilizador Canaelan, um bot “britânico” que publicava sobre KitKat, a artista Taylor Swift e criticava o trabalho do Gabinete do Comissário de Informação do Reino Unido, utilizava a fotografia do jornalista holandês Tom Van Roojien. Era comum partilhar notícias dos jornais Guardian, Daily Mail e Telegraph no Twitter.
Os jornalistas da Forbidden Stories identificaram bots da AIMS criados para opinar sobre os mais diversos temas, desde as eleições no Senegal ao movimento #MeToo no Canadá. Noutra das missões, o objectivo era levantar dúvidas sobre um fabricante de iates no Mónaco, com bots a falar de ligações entre a empresa e oligarcas russos.
Em declarações a jornalistas infiltrados, Hanan confirma que vendeu a tecnologia AIMS a partidos políticos, empresas e serviços de informação em todo o mundo.
A Meta, dona do Facebook e do Instagram, confirma que já eliminou vários bots ligados à AIMS depois de os jornalistas da Forbidden Stories partilharem exemplos das contas. Em declarações ao jornal Guardian, a empresa de Mark Zuckerberg nota que conectou os bots apagados a uma antiga empresa israelita, actualmente extinta, que foi banida da plataforma em 2019.
O Twitter não comentou o assunto publicamente, mas as contas da rede social mencionadas na investigação da Forbidden Stories já foram apagadas.