Ordem quer salários dos médicos equiparados aos dos magistrados ou professores universitários
Novo relatório da carreira médica propõe que esta seja considerada profissão de risco e de desgaste rápido e que se avance com um novo serviço médico à periferia.
A Ordem dos Médicos (OM) recomenda que a remuneração de base na nova grelha salarial que está “a ser negociada com os sindicatos” tenha “como referência a carreira dos magistrados ou dos professores universitários”. “Os salários justos, de acordo com o tempo de formação no ensino superior e a sublime responsabilidade médica, são essenciais para dignificar e respeitar a profissão de médico”, justifica no novo relatório da carreira médica onde esta proposta surge no meio de dezenas de outras recomendações. O bastonário Miguel Guimarães entregou esta quarta-feira o documento ao ministro Manuel Pizarro.
Em Junho do ano passado, o bastonário já tinha adiantado que a proposta de alteração da carreira médica sugeria a equiparação à carreira dos magistrados.
No extenso relatório propõe-se também que a profissão de médico seja considerada profissão de risco e de desgaste rápido e que se avance com um novo serviço médico à periferia, como o que levou profissionais para o interior do país entre 1974 e 1982. A reactivação do regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o alargamento da carreira médica aos sectores privado e social são outras das propostas, só para citar algumas das elencadas neste documento que resultou das contribuições de “milhares de médicos” que participaram em grupos de trabalho, e em reuniões e em inquéritos realizados nos últimos anos.
Relativamente aos incentivos para os médicos que optem trabalhar em zonas carenciadas, a OM enfatiza que “é preciso agir já e implementar medidas globais que incluam a família, a educação, a habitação, o trabalho da família, a redução de impostos, o apoio à formação e investigação, um salário reforçado, progressão na carreira mais fácil e outras medidas de âmbito regional e local”.
São medidas necessárias para devolver “a motivação e confiança” aos médicos, justifica a Ordem dos Médicos, que preconiza ainda a realização de concursos públicos bianuais para as várias categorias, devendo todos os médicos poder atingir o topo da carreira, além de um regime de trabalho flexível, prevendo que uma parte do horário seja para investigação.
A OM sugere também que seja criada uma linha verde de apoio a médicos e profissionais de saúde para prevenção e tratamento de "burnout [exaustão profissional], sofrimento ético e violência física e psíquica".
Reforma hospitalar
Salienta, por outro lado, a necessidade de uma reforma hospitalar, incluindo uma nova gestão das unidades de saúde “que integre algumas regras do sector privado” e destaca a premência de uma reforma da urgência e emergência médica, que passe pela “implementação de uma campanha nacional” para “educar os cidadãos na utilização” dos serviços.
Outra prioridade é a aceleração da reforma dos cuidados de saúde primários, recorrendo-se, “transitoriamente ou não, à possibilidade de usar USF [unidades de saúde familiar] de modelo C”, refere a ordem, que sugere igualmente a criação de um modelo de convenção com médicos, cooperativas de médicos e de outros profissionais de saúde para “complementar insuficiências do SNS”.
Reclamando que se faça uma avaliação das "lições aprendidas com a pandemia da covid-19", de maneira a perceber o que falta para "tornar a capacidade de resposta global mais eficiente e mais próxima dos cidadãos", a OM defende igualmente que se comece a preparar o sistema de saúde para 2040, tendo em conta a rapidez da evolução da medicina e os anos que são necessários para formar um especialista.
Destaca, por outro lado, os “grandes desafios que se colocam hoje ao sistema de saúde como um todo” - como os custos dos cuidados de saúde, o envelhecimento da população e a baixa taxa de natalidade, entre outros - para defender a aposta “num instituto público nacional” para a promoção da saúde e a prevenção da doença.
Algumas destas propostas "podem avançar rapidamente, sustenta Miguel Guimarães, argumentando que várias recomendações elencadas no relatório “não implicam investimento, mas uma forma diferente de organizar e gerir as coisas". "Pareceu-me que, na quase totalidade daquilo que lhe falei, o senhor ministro está de acordo e até ficou particularmente interessado em algumas medidas apresentadas", disse à Lusa.
"Todas as medidas que estão definidas neste relatório, e muitas delas são verdadeiramente inovadoras, são importantes para reforçar a capacidade de resposta do SNS, fazer com que mais médicos optem por ficar a trabalhar no SNS”, enfatizou.
O relatório inclui dados de um inquérito realizado em 2021 que indicam que a maior parte dos 6755 inquiridos trabalha no SNS (63%), mas, neste universo, 57% opta por acumular nos sectores privado e social.