Qual é o perfil de vinho branco certo para as ostras?
Os vinhos eram da Sociedade Vinícola de Palmela e as ostras da Aquanostra. A luta ora correu bem ora correu mal porque os bivalves são levados da breca. Pelo meio, um branco velho fabuloso.
Por causa de uma recente restruturação accionista e estratégica, a Sociedade Vinícola de Palmela (SVP) redesenhou a histórica marca Serra Mãe, com dois objectivos: um, explorar o mercado da restauração e, dois, acentuar nos novos vinhos um perfil marcadamente gastronómico, por via do trabalho mais afinado com os níveis de acidez dos mostos. Como todos os vinhos devem ser sempre gastronómicos, como estamos perante vinhos das areias da Península de Setúbal (terroir peculiar), como no rio Sado se criam ostras de categoria e como a equipa que administra a SVP gosta de pregar pontapés na monotonia das provas clássicas, o desafio por parte do Terroir foi o seguinte: já que é assim, já que os vossos vinhos são assim tão gastronómicos, que tal se os metermos em frente a umas ostras para ver como as coisas funcionam?
Na maioria dos casos, perante o jogo em causa, produtores mais conservadores iriam fazer uma série de testes prévios entre os seus vinhos e diferentes produtores de ostras, não fosse alguma coisa correr menos bem, mas Vasco Guerreiro, administrador, Filipe Cardoso, director-geral e enólogo, e Luís Simões, director-geral-adjunto, tiveram aquela ideia muito portuguesa e informal: ‘se é para fazer, que se faça, caramba, e logo se vê’. Nós gostamos disso. Nós gostamos de gente mais apaixonada pela terra — e pelo rio, no caso — e menos atrapalhada com o marketing e as relações públicas.
Note-se, todavia, que o exercício foi pensado apenas para vinhos tranquilos. Espumantes e ostras é um campeonato à parte.
A ligação das ostras com o vinho tira-nos anos de vida. Sim, existem teses, em particular no que diz respeito aos vinhos que jamais farão parelha com os bivalves. Aqui até é fácil. O problema de base é que, sendo muito rica em zinco, ferro, potássio e sódio, uma ostra transforma um vinho que nos sabe bem numa solução hidroalcoólica sem a mínima piada quando os dois produtos se juntam na boca. Na gíria, uma ostra pode dar cabo de um bom vinho em dois tempos.
E ao problema de base acrescenta-se um outro que é o perfil dos bivalves, isto porque há ostras mais ou menos salinas, mais ou menos intensas nos sabores de algas, mais ou menos aveludadas ou com mais ou menos notas de frutos secos. E como se trata de um produto que depende das condições naturais das zonas lagunares (correntes marinhas, temperatura da água e fitoplâncton), o sabor das ostras de um mesmo produtor é também variável no tempo, pelo que, certezas, só mesmo na hora da prova. Não vale a pena ir com ideias feitas para a mesa. E, mesmo assim, a experiência diz-nos que nem sempre se consegue unanimidade.
Da nova linha de vinhos Serra Mãe provaram-se quatro vinhos brancos para o confronto com as ostras Aquanostra. O Serra Mãe Colheita 2021, o Serra Mãe Sauvignon Blanc 2021, o Serra Mãe Reserva 2021 e o Serra Mãe Grande Reserva 2021. Feitos todos a partir dos solos arenosos da zona do Lau (Palmela), o primeiro é um lote de Arinto com Fernão Pires e sem qualquer trabalho em madeira; o segundo é um varietal de Sauvignon Blanc; o terceiro é só Arinto trabalhado em barricas usadas de 225 litros; e o quatro é um lote de Arinto, Antão Vaz, Fernão Pires e Sauvignon Blanc, que fermentou e estagiou em barricas de 500 litros.
As ostras da Aquanostra — que se prepara para ser um dos maiores produtores em Portugal — tinham 14 meses de idade, dimensão média, grande intensidade marinha e textura firme, com a sensação salina bem presente. Quando entravam na boca sentia-se o shot de mar, mas, depois, as ostras realçavam os sabores ligeiramente adocicados das diferentes componentes. Perfeitas.
E a partir desta prova, da ligação dos quatro vinhos contra as ostras da Aquanostra, houve sintonia em dois pontos fundamentais: 1) a ligação perfeita ocorreu com o Serra Mãe Grande Reserva 2011; 2) a ligação com o Serra Mãe Reserva 2021 (Arinto) não funcionou, foi o típico caso em que a ostra matou o vinho. A partir daqui havia quem achasse que a segunda melhor opção seria a ligação com o Serra Mãe Sauvignon Blanc 2021 — o nosso caso —, contra a maioria que preferiu a solução ostra versus Serra Mãe Colheita 2021.
Tais conclusões têm o seu interesse porque estão em linha com as experiências que temos realizado. A saber: a casta Arinto não é a melhor amiga das ostras. Se tiver algum trabalho de madeira e se o vinho não for jovem, pode ser que ainda funcione. Pode ser, porque a acidez, as notas alimonadas e alguma mineralidade entram quase sempre em choque com os sabores marinhos das ostras. Em consequência, algum trabalho de barrica — nada de excessos — recomenda-se.
Agora, haverá castas mais adequadas? Poderíamos falar em Alvarinho e Encruzado (há casos em que funcionam bem), mas, lá está, diz-nos a vida que uma casta com notas mais untuosas e mais amanteigadas é fundamental para ligar com a textura da ostra. E o que é que o Grande Reserva da Serra Mãe tem? Antão Vaz. Mas como é um lote onde também entram Fernão Pires, Sauvignon Blanc e Arinto, acaba por ser um vinho equilibrado entre a componente moderadamente ácida, a textura sedosa e certas sensações especiadas (cortesia do Sauvignon Blanc). Logo, perfeito para a ostra da Aquanostra, coisa que não impediu que ficássemos a matutar na ideia de fazer uma prova de ostras e vinhos só de Antão Vaz ou de Fernão Pires. As ostras tiram-nos do sério.
Entre todos os exercícios que fazemos sobre a ligação vinho/comida, a ostra é o produto que mais desafios nos coloca, em particular com os vinhos brancos, visto que o perfil do bivalve oscila de produtor para produtor e de região para região (Algarve, Setúbal ou Aveiro). Mas como, em Portugal, temos acesso a ostras a preços simpáticos (muito mais caras são as ameijoas) e a vinhos no mesmo registo, a única forma de resolvermos o problema é testarmos mais. Comer ostras e abrir garrafas entre amigos fica bem mais barato do que ir a uma marisqueira.
Só há um pedido que gostaríamos de deixar aqui, e de mãos postas: por favor, comprem ostras depuradas e de empresas de confiança, que identificam a origem das zonas de produção. É pura idiotice correr riscos nesta matéria.
PS.: Ostras à parte, provou-se, a acompanhar uma canja de garoupa que será notícia por estes dias na Fugas, o Botelharia Reserva Branco 2009 Gama Superior, que é coisa para fazer suspirar os amantes de brancos com idade. Ou, melhor, é coisa para fazer suspirar os amantes de vinhos brancos com bom gosto. Assim é que é. Fabuloso.
Nome Serra Mãe Colheita Branco 2021
Produtor Sociedade Vinícola de Palmela
Castas Arinto e Fernão Pires
Região Península de Setúbal (Regional)
Grau alcoólico 12,5 por cento
Preço (euros) 5
Pontuação 89
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova A casta revela-se de imediato, em virtude de estarmos perante uma fermentação em inox e sem qualquer contacto com madeira. Cítrico no nariz e na boca até mais não, com ligeiras notas salinas.
Nome Serra Mãe Sauvignon Blanc 2021
Produtor Sociedade Vinícola de Palmela
Castas Sauvignon Blanc
Região Península de Setúbal (Regional)
Grau alcoólico 12 por cento
Preço (euros) 8
Pontuação 90
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova De uma vinha bem jovem temos um branco que não leva a casta para aquele registo do maracujá & companhia. Notas mais vegetais (espargos), especiadas e minerais são interessantes num vinho que pisca o olho aos turistas.
Nome Serra Mãe Reserva Branco 2021
Produtor Sociedade Vinícola de Palmela
Castas Arinto
Região Península de Setúbal (DO Palmela)
Grau alcoólico 12,5 por cento
Preço (euros) 12
Pontuação 91
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova Aqui as notas alimonadas do Arinto já são suavizadas pelo trabalho das barricas, com a untuosidade na boca a destacar-se. Sente-se um inusitado retronasal a fazer lembrar certas notas florais e frutadas.
Nome Serra Mãe Grande Reserva Branco 2021
Produtor Sociedade Vinícola de Palmela
Castas Arinto, Antão Vaz, Fernão Pires e Sauvignon Blanc
Região Península de Setúbal (DO Palmela)
Grau alcoólico 12,5 por cento
Preço (euros) 25
Pontuação 93
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova Grande riqueza de aromas de diferentes famílias de frutas, num trabalho de fermentação que respeita o perfil das castas e com a ajuda estratégica das barricas de 500 litros (dão mais espaço ao vinho). Na boca, um vinho gordo e com equilíbrio entre estrutura, acidez e álcool. É daqueles vinhos para acompanhar no tempo.
Nome Botelharia Reserva Branco 2009
Produtor Sociedade Vinícola de Palmela
Castas Fernão Pires e Arinto
Região Península de Setúbal (DO Palmela)
Grau alcoólico 13 por cento
Preço (euros) 45
Pontuação 96
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova É daqueles vinhos que apetece ter à mão para mostrar a um ou outro jornalista estrangeiro de nariz empinado (leia-se francês) com quem damos de caras volta e meia. Aqui a complexidade e a luxúria são tais que a descrição daria para um tratado. Notas aromáticas de resina, mel, funcho, frutos secos, folhas secas, especiarias. Boca untuosa, mas fresca, misteriosa e sempre desafiante. É um hino aos vinhos brancos portugueses e devia ser imitado em todas regiões (com as castas regionais), como forma de educar os consumidores. Portugal é um vinho de brancos de guarda.