Professores voltam a encher Terreiro do Paço num protesto a lembrar 2008
Mário Nogueira propôs desdobrar uma grande manifestação nacional em duas, para o Norte e para o Sul, com novas greves a 2 e 3 de Março se as negociações desta semana fracassarem.
Na manifestação deste sábado que trouxe a Lisboa muitas dezenas de milhares de professores de todo o país, há bandeiras de todos os sindicatos da plataforma que organiza o protesto. Seguram cartazes e faixas em defesa da escola pública com o nome dos agrupamentos, dos concelhos ou dos distritos representados no desfile que começou às 15h30 no Marquês de Pombal, no coração de Lisboa.
Já no fim, mais de três horas depois, e quando ainda muitos continuavam a desfilar pela Avenida da Liberdade, o líder da Fenprof propôs um pacote de novas formas de luta que não se esgotam nesta semana, durante a qual haverá nova ronda de negociações no Ministério da Educação, a 15 e 17 de Fevereiro. Se as propostas não estiverem de acordo com a exigência dos professores, a quem a Fenprof propõe que seja feita uma consulta, Mário Nogueira avança com a ideia de uma grande manifestação nacional, desdobrada em duas, em dois dias de greves em todo o país.
"Dessas reuniões tem de sair uma solução", disse Nogueira no palco montado no Terreiro do Paço, antes de apelar à mobilização para uma "semana de luto e de luta" em que pede aos professores para colocarem faixas pretas em todas as escolas.
O que pretende é pôr à apreciação dos colegas, por votação, o que pensam das propostas do Governo e, se não houver acordo, pressupondo "uma negociação suplementar", conta já convocar greves para 2 e 3 de Março. Nesses dias, propõe que todos os distritos de Coimbra para Norte participem numa "grande manifestação" no Porto; o mesmo para dia 3, em que espera mobilizar todos de Leiria para Sul num "grande protesto" na capital.
Até lá, espera ter a adesão dos professores para o que diz serem "momentos de permanência à porta das escolas" em sinal de "protesto e exigência" nos dias das negociações desta semana, 15 e 17 de Fevereiro. Dirigindo-se à audiência de manifestantes, pergunta se "há acordo para a semana de luto e de luta?", logo seguido de exclamação afirmativa: "Sim!", lançam os que entretanto já chegaram (ou ainda estão) no Terreiro do Paço.
A meio da tarde, a grande praça pombalina em frente ao rio encheu-se de pessoas, quando o desfile parecia não ter fim, fazendo lembrar a grande manifestação de 2008 em que mais de 100 mil de professores se manifestaram em Lisboa, quando era ministra Maria Lurdes Rodrigues. Na marcha, em que marcaram presença alguns líderes ou representantes partidários (como do Livre, Bloco de Esquerda, PCP ou Chega), grupos de professores juntaram-se em representação de uma escola ou de um concelho, com bandeiras, cartazes ou faixas identificativas. A Fenprof diz que esta foi "a maior manifestação de sempre de professores" e estima em 150 mil o número de participantes, número para o qual não há verificação possível nem confirmação por parte de uma entidade oficial como a PSP, contactada pelo PÚBLICO.
Ao início da tarde, já milhares de pessoas rodeavam, numa mancha compacta, a Praça Marquês de Pombal. Há grupos de colegas ou amigos que se reencontram, famílias, pais e filhos que são alunos nas escolas e pessoas sozinhas. É o caso de Adelino Miguel da Silva, professor de Físico-Química do básico e secundário na Escola Cândido Figueiredo, em Tondela. Está na Fenprof mas reconhece qualquer sindicato. "O importante é sermos bem representados e acredito que o impasse nas negociações se possa resolver. Mas, para isso acontecer, é preciso união total."
Pelo meio, passeiam turistas, alguns perplexos perante o entusiasmo de quem grita, entoa cânticos como "Não paramos, não paramos", ou caminha, como quem marcha, ao ritmo da batida de grupos de percussão contratados como os Batucando do Montijo. Mariana, de 12 anos, faz parte deste conjunto, é aluna do 6.º ano e diz que aquilo que mais tem notado este ano não são tanto as greves, que têm acontecido ao primeiro tempo, mas a realidade de professores chamados a dar mais do que uma disciplina. É o exemplo da professora de História e Geografia de Portugal, chamada a dar a disciplina de Cidadania, diz sem perder tempo, antes de voltar para o batuque com Paula Fernandes que, não sendo professora, é "solidária" com este movimento.
Vários manifestantes com ou sem t-shirts do sindicato a que pertencem tiram selfies, outros posam para a fotografia segurando as faixas muito direitas onde aparecem as palavras de ordem, ao lado do distrito a que pertence o grupo. "O futuro da nação está na nossa mão" é uma das mensagens mais comuns.
"Tratem a docência com decência"
Nos cartazes, como nas manifestações recentes, volta a ler-se e a ouvir-se "Não paramos, não paramos", mas também "Tratem a docência com decência" e "Pela dignidade da profissão". Num cartão em letra manuscrita que se ergue bem alto, quer-se a "Política fora da Escola". Um manifestante mais solitário senta-se em silêncio e imóvel num banco junto à estação do metro da Avenida; no chapéu tem um crachá com a mesma exigência de "Respeito" em letras brancas e fundo vermelho que a da placa à frente do corpo sentado.
Uma hora e meia depois está, mais abaixo, junto à estação do Rossio, desta vez em pé, mas de novo imóvel, com o crachá redondo e a mesma placa vermelha. Entre as pessoas que o rodeiam, há uma mulher com um cravo vermelho na lapela, um homem que escreveu num cartaz "25 de Abril Sempre" e uma velhota sentada, de gorro a conter-lhe o cabelo muito branco e a expressão vaga do seu olhar azul. No cartão que tem pendurado ao pescoço, a octogenária dá voz a um pedido: "Ajudem-me a viver."
Passa despercebida à maioria dos milhares e milhares de pessoas que passam os Restauradores e o Rossio, antes de entrar na Rua Áurea. Chegaram há horas nas camionetas vindas de muitos cantos do país. Por todo o trajecto, as bandeiras erguem-se a perder de vista e o ruído dos apitos, tambores, sirenes improvisadas, buzinas e cornetas parece ampliar-se com o passar das horas.
"Primeira vez" em Lisboa
Para Ivone Carneiro, professora de Matemática e Ciências colocada em Braga, esta é a primeira vez que se manifesta em Lisboa, e para isso há uma razão: "Acho que desta vez estamos mais unidos do que nunca. E temos que dar esse sinal à sociedade e ao Governo", diz a docente de 47 anos, que veio de carro de Cinfães com o marido e o cunhado, também professores, e os dois filhos.
Por eles passa um grupo que sustenta uma faixa em sinal de aviso: "Habituem-se. Não vamos parar." E outro de manifestantes vestidos de preto que transportam um caixão, simbolizando o que dizem ser o estado a que o Governo votou o ensino público. Há cachecóis com a bandeira de Portugal e faixas com o símbolo nacional, em que sobre o verde e vermelho se lê em letras garrafais "Professores".
Passaram pouco mais de dois meses desde o início das greves de professores, a quem se juntaram os profissionais não docentes das escolas. Além da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), integram ainda a plataforma sindical o Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SINDEP), a Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL), o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU), o Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de Educação e Universidades (SEPLEU), o Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação (SINAPE), a Pró-Ordem dos Professores e o Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), aos quais se juntou já a meio de Janeiro a Federação Nacional da Educação (FNE).
"Mais importante que os sindicatos"
"Mais importante do que estarem todos os sindicatos, é estarem todos os professores do país nesta marcha", diz João Campaniço, professor de Educação Física. "Isto não pára", diz, olhando em redor a torrente de gente que desce a avenida. "Estive na manifestação de 2008 [contra a avaliação], a maior de sempre que juntou professores, e esta parece-me ter a mesma dimensão."
São muitas pessoas que vieram sabendo que os serviços mínimos inicialmente decretados apenas para as actividades vão alargar-se às aulas, a partir da próxima quinta-feira, como foi anunciado na véspera da manifestação. Os professores de todos os níveis de ensino vão ter que assegurar um mínimo de três horas de aulas por dia, nos dias para os quais estão convocadas greves pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop), do qual também se vêem bandeiras nesta marcha.
As greves por distritos iniciadas a 16 de Janeiro terminaram na passada quarta-feira, com uma manifestação na Avenida dos Aliados, no Porto. A partir desta semana, mantém-se apenas a paralisação do Stop.
Três motoristas param junto a uma banca de castanhas e comentam a dimensão deste protesto. Conduziram três autocarros “cheios com 55 pessoas” de Lamego, e a meio da tarde estiveram no Terreiro Paço quando já “estava completamente cheio”, ainda o desfile na avenida ia a meio.
Não têm hora de saída, porque é imprevisível o fim desta longa marcha. “Temos hora de chegada a Lamego: meia-noite.” Será uma jornada de trabalho de mais de 14 horas que ficará para a memória como “a maior manifestação onde alguma vez” estiveram, diz um deles. Os três estão "solidários" com este movimento.
O processo negocial iniciou-se em Setembro de 2022 e vai já para a quinta ronda. Já este ano, em Janeiro, o ministro da Educação, João Costa, apresentou um conjunto de propostas que incluía o aumento do número de quadros de zona pedagógica de dez para 63, reduzindo a sua dimensão, a fixação de docentes nos quadros de escola em 2024, a integração de 10.500 professores e o aumento das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões.
A igualdade "é uma utopia"
As medidas não convenceram os sindicatos, que criticaram a tutela por não apresentar respostas para as principais reivindicações dos professores, em especial quanto à contabilização dos mais de seis anos a que corresponde o tempo de serviço que ficou congelado.
Este não é o único motivo para Luís Simões vir do Algarve, onde na sua escola "não há papel para imprimir 23 fichas formativas para 23 alunos", ou para Álvaro Nunes e Carlos Cunha virem de Vila Franca de Xira. Qualquer um deles diz trabalhar para que todos os seus alunos possam entrar na universidade. "Mas o elevador social é uma utopia", diz Luís Simões, explicando que na escola onde lecciona, em Silves, as condições são muito diferentes de escolas de concelhos vizinhos.
"Para mim, todas as manifestações são importantes", diz Carlos Cunha, da Escola Secundária Gago Coutinho, em Alverca. Não teme um desgaste do protesto dos professores porque acredita que "a sociedade já percebeu que o que está em causa não são meros direitos corporativos, legítimos, mas uma luta pelo futuro, pela dignidade da profissão". E continua: "Pode demorar um ano, cinco anos, dez anos, a situação vai ter que se resolver", diz, antes de acrescentar: "E, já agora, esta também é uma luta em defesa da igualdade, porque quem frequenta o ensino privado são os alunos das classes média e média-alta".
Álvaro Nunes já foi professor do ensino privado: "Na altura, estas lutas dos professores passavam-me relativamente ao lado." Agora, está para ficar. Como Carlos Cunha, professor de História, que deixa um alerta: "Há um perigo de uma radicalização de uma classe como a nossa. Um professor radicalizado vai radicalizar os seus alunos." E questiona: "Será que é isso que queremos para a nossa sociedade, sabendo nós que o perigo da radicalização pode vir a dar força aos extremos, da direita ou da esquerda?"