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Geologia, construção e (falta de) sorte. Três factores confluíram na Turquia e na Síria para fazer do grave sismo de segunda-feira, e das suas réplicas, um dos desastres mais mortíferos deste século. O número de vítimas mortais já está acima de 20.000.

Um mau pedaço de terra

O Sul da Turquia e o Noroeste da Síria são atravessados pela convergência de três placas tectónicas: a da Anatólia, a da Arábia e a de África. A Turquia, em particular, é atravessada por diversas falhas: uma que corre todo o Norte (a falha do Norte da Anatólia) e outra no Sudeste (a falha do Leste da Anatólia), que acaba por se juntar à primeira no Leste montanhoso do país. É sobretudo ao longo da grande falha do Norte que os maiores sismos turcos tendem a ocorrer - é disso exemplo o grande sismo de 1999, que matou milhares de pessoas na zona de Istambul.

A falha do Leste da Anatólia também é uma zona de grande actividade sísmica, mas costuma gerar sismos de menor intensidade. O desta semana é o primeiro abalo de magnitude igual ou superior a 7 a ser registado naquela área. O que não significa que não tenham ocorrido outros de igual ou maior dimensão séculos e milénios atrás, mas não há registos científicos modernos. Alias, há registos históricos de grandes sismos: em 1114, onde agora fica a cidade de Kahramanmaras (arrasada esta segunda-feira), e em 115 e 526, na cidade de Antioquia. Ali perto, mas do lado sírio da fronteira, Alepo foi atingida por um dos maiores sismos de sempre, que terá vitimado mais de 200 mil pessoas em 1138. Mas não conhecemos as magnitudes exactas destes terremotos históricos, nem estes números de vítimas são inteiramente fiáveis. 

A piorar a situação, a falha do Mar Morto, que atravessa o Médio Oriente desde o Sul de Israel e da Jordânia até ao Sul da Turquia, tem o seu término setentrional precisamente junto à falha do Leste da Anatólia. Foi perto desta junção que ocorreu o sismo de 7.8 graus de segunda-feira.

Um sismo superficial seguido de muitas réplicas

Para além de o maior sismo desta segunda-feira ter tido uma magnitude bastante elevada (7.8 graus Richter), a sua reduzida profundidade ajudou a ampliar a sua capacidade destrutiva. Os sismos podem ter o seu hipocentro (em profundidade, não confundir com epicentro) até 800 quilómetros debaixo da superfície terrestre. Este terramoto que arrasou o Sudeste turco e o Noroeste sírio aconteceu a cerca de 18 quilómetros de profundidade. 

Um sismo superficial como este é sentido de forma mais intensa e numa área mais extensa: a zona de destruição máxima na Turquia estendeu-se ao longo de uma faixa de 200 quilómetros (e não apenas num ponto exacto, como é habitualmente representado nos mapas que vemos nas notícias). O abalo causou danos elevados e muitas vítimas na Síria e foi sentido pela população em vários países do Mediterrâneo e do Adriático, incluindo o Líbano, Israel, Grécia, Chipre, Egipto e Itália.

Como é recorrente, um grande sismo é seguido de várias réplicas. Neste caso, várias de grande intensidade, e um segundo sismo de 7.5 graus de magnitude, cerca de nove horas após o primeiro grande abalo. Este registou-se numa estrutura tectónica diferente, mas provavelmente foi espoletado pelo primeiro, e foi novamente um sismo muito superficial, arrasou parte da cidade de Kahramanmaras e fez ruir inúmeros edifícios que já se encontravam em situação precária um pouco por todo o Sudeste da Turquia.

Construção problemática e uma noite interrompida

Um dos principais factores para o grande número de mortes nos sismos de segunda-feira está relacionado com a qualidade da construção civil na Turquia. A maior parte dos edifícios que ruíram em cidades como Adana, Gaziantep ou Kahramanmaras foi construída antes de 1999, o ano do grande terramoto que arrasou os arredores de Istambul, e que motivou uma revisão das leis de construção anti-sísmica na Turquia.

Não é um problema exclusivo da Turquia. Também em Portugal se crê que a maioria dos edifícios construídos antes da década de 1990 não esteja preparada para resistir a um terramoto de grandes dimensões (por cá, 1958 e 1983 são anos-chave em termos de legislação anti-sísmica, mas os especialista apontam os anos 1990 como o verdadeiro ponto de viragem).

O problema turco é bastante mais grave do que o português, pois tem sido também mais intenso o ritmo de construção e de urbanização do país. A população turca mais que triplicou nos últimos 60 anos, para 84 milhões de pessoas, e registou-se um intenso êxodo rural a partir dos anos 1950. O país tem hoje pelo menos sete cidades com mais de um milhão de habitantes (só Istambul tem mais habitantes que Portugal: 15 milhões) e mais de 50 cidades com mais de 100 mil pessoas. Mas mesmo nas cidades mais pequenas a aposta tem sido na construção em altura, e grande parte dos turcos vive em prédios de muitos andares.

No caso do sismo de segunda-feira, a hora a que o abalo de 7.8 graus ocorreu, cerca das 4h da manhã, acabou por encontrar a maioria das vítimas a dormir em casa. Os cerca de 10 mil edifícios de ruíram estariam cheios de pessoas, multiplicando o número de mortes.

E em Portugal? Isto pode acontecer?

Sim, pode. O geólogo João Duarte, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explicava na segunda-feira ao PÚBLICO que Portugal também se situa, como a Turquia, numa zona de fronteira de placas tectónicas. No nosso caso, a fronteira difusa entre a placa africana e a placa euro-asiática, constituída por um "enxame" de falhas, encontra-se debaixo do mar, ao longo de uma faixa que vai dos Açores ao Estreito de Gibraltar.

Foi aí - e sobretudo no Banco de Gorringe, uma cadeia de montanhas submarinas 300 quilómetros a sudoeste do Algarve, talvez com mais fama que proveito - que se terão gerado os maiores sismos a atingir Portugal continental, nomeadamente o de 1755 e o de 1969. Tal como na Turquia, as placas vizinhas que se tocam a Sul do Algarve movem-se "lateralmente mas com uma componente de colisão importante".

Em todo o caso, o facto de a zona mais perigosa se localizar sob o Atlântico, e não perto de grandes cidades (com a excepção mais importante da falha do Vale Inferior do Tejo), como acontece na Turquia, faz com que o potencial efeito destrutivo em Portugal seja menor - à excepção de uma situação de tsunami, como aconteceu em 1755.