João Gomes Cravinho: “Sabendo o que sei hoje, não teria nomeado Alberto Coelho para outras funções”

O ex-ministro da Defesa arrepende-se de ter nomeado Alberto Coelho, que entretanto foi detido no âmbito da Operação Tempestade Perfeita sobre a derrapagem nas obras do Hospital Militar de Belém.

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João Gomes Cravinho está a ser ouvido no Parlamento LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

O ex-ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, insistiu nesta quarta-feira de manhã na Assembleia da República, que não houve "autorização da tutela para a escalada de custos no Hospital Militar de Belém (HMB)", concluindo que fez o que devia ter feito. O governante está a ser ouvido pelos deputados da Comissão de Defesa Nacional, numa audição conjunta com o actual secretário de Estado da Defesa, sobre o alegado esquema de corrupção que envolveu, entre outras, as obras de reabilitação do HMB.

Na sua intervenção inicial, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros fez o que considerou um "exercício retrospectivo" e descreveu todo o processo de recuperação do hospital desde que a sua reabilitação foi decidida para receber doentes com covid-19, insistindo em deixar claro quais eram as informações disponíveis à data em que vários factos aconteceram.

João Gomes Cravinho partilhou, por exemplo, o pouco que ele próprio sabia sobre Alberto Coelho, o ex-director-geral da Defesa que foi posteriormente envolvido numa investigação criminal no âmbito deste caso, quando o nomeou para a administração da Empordef. "Sabendo o que sei hoje, não o teria nomeado para outras funções, mas isso é sabendo o que sei hoje", assumiu, lembrando que a nomeação foi validada pela Cresap.

Também o PS aproveitou a sua intervenção para defender que aquando da nomeação de Alberto Coelho não havia qualquer suspeita de “ilícito criminal”. Francisco César lembra, à semelhança do que havia dito o governante, que o dirigente tinha “mais de 19 anos de serviço" e mereceu a "confiança de sete ministros”, incluindo do PSD.

Antes de o ministro intervir, o deputado do PSD, Jorge Paulo Oliveira, disse que “é dia de pôr termo aos truques com palavras e exercícios de semântica” e acusou Cravinho de não ter tido a devida "cautela" e "prudência". “O ministro não autorizou a derrapagem, mas politicamente autorizou esse acréscimo de despesa. Validou todas as obras”, lembrou o parlamentar.

Na mesma linha, o secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, que na altura era presidente da IdD Portugal Defence, disse, citado pela Lusa, que "não podia ter feito uma avaliação com base em informação que não era conhecida à data".

Na primeira hora de audição, os temas abordados não trouxeram grande novidade em relação à última vez que o ministro dos Negócios Estrangeiros falou sobre a questão no Parlamento.

Ofício sobre "real custo" foi "recusado pelo servidor"

Gomes Cravinho revelou que a informação inicial relativa ao "real custo das obras" no HMB não chegou à primeira tentativa ao Ministério da Defesa "por exceder o tamanho limite das mensagens".

"A primeira informação que recebo sobre o real custo das obras vem através de um ofício, no qual o meu chefe de gabinete estava em cópia, a 23 de Junho de 2020, embora com informação não sistematizada e pouco fundamentada. Esse ofício tinha aparentemente sido enviado por Alberto Coelho [director-geral de Recursos da Defesa] em 20 de Abril, mas não chegou aos destinatários por exceder o tamanho limite das mensagens e portanto ser recusado pelo servidor", explicou Gomes Cravinho, citado pela Lusa.

O governante acrescenta que, num despacho por si assinado a 19 de Março, sinalizava a intenção de que o custo das obras deveria “ser o mínimo essencial para atingir o objectivo".

"Foi também naturalmente devido ao contexto [da pandemia] que insisti por email que este processo fosse prioritário e avançasse a todo o gás, o que nunca dispensa o cabal cumprimento de todas as obrigações legais em matéria de contratação pública", prosseguiu o actual chefe da diplomacia portuguesa.

O ministro continuou explicando que a 27 de Março, em “ponto de situação da Direcção-geral”, se deparou com a “possibilidade de reforçar as valências e a as características do Hospital de Belém tendo em conta trabalhos suplementares solicitados pelo Exército". No entanto, reiterou não ter autorizado, nem o seu então secretário de Estado da Defesa, Seguro Sanches, essa despesa extra.

"É bom deixar claro desde já que esses trabalhos extras precisavam de ter a devia validação, (...) a devida orçamentação, cabimentação e a devida autorização. Nada disso aconteceu nem sequer nos foi solicitado a mim ou ao secretário de Estado Adjunto e da Defesa [Seguro Sanches] que déssemos o nosso acordo a esses trabalhos extra. Nem tacitamente, nem expressamente", vincou.

E insistiu que "a estimativa inicial de despesa teve uma escalada muitíssimo elevada, para o triplo, sem que a tutela” fosse informada: “Não houve evidentemente nenhuma autorização da tutela para esta escalada de custos."

Um caso com três anos

Na verdade, não é a primeira vez que Gomes Cravinho é ouvido no Parlamento sobre este assunto. A primeira vez que isso aconteceu foi ainda em 2020, no mês de Junho, já em plena pandemia de covid-19, depois de terem sido publicadas as primeiras notícias sobre a derrapagem dos custos. Na altura, o Diário de Notícias apontava para o custo entre os 1,5 e os dois milhões de euros para um orçamento inicial de 750 euros mais IVA, ou seja, cerca de 920 mil euros — acabou por ser 3,2 milhões.

Quatro meses depois, Cravinho anunciou que já havia pedido uma auditoria à "derrapagem" a realizar pela Inspecção-Geral de Defesa Nacional (IGDN). "Se, perante este cenário, eu envio matéria para a IGDN, é porque há perguntas para as quais eu não tenho resposta, e quero ter", disse o ministro. Os primeiros resultados surgiram em 2021, havendo sinais de "inconformidades legais", nomeadamente a "falta de evidência do pedido expresso à tutela para autorizar a despesa (...) e consequente ausência de competência por parte do director-geral [Alberto Coelho] para autorizar a despesa, escolher as entidades a convidar, aprovar as peças do procedimento e decidir a adjudicação".

Foi a TSF que noticiou as conclusões do relatório que se manteve classificado durante vários meses.

Alberto Coelho acabaria por ser substituído no cargo (Direcção-Geral de Recursos da Defesa Nacional), sendo nomeado para a administração da Empordef, onde ficou até Julho de 2022. Antes de este administrador sair da empresa para se aposentar, viria a saber-se que o Ministério Público havia instaurado um inquérito-crime à gestão da DGRDN durante a sua liderança.

A multa e a Tempestade Perfeita

No âmbito da auditoria, que entretanto foi enviada para o Tribunal de Contas, Alberto Coelho pegou voluntariamente uma multa de 15.300 euros sobre a derrapagem nas obras. Mas isso não impediu a Polícia Judiciária (PJ), em coordenação com o Ministério Público (MP), de desencadear a Operação Tempestade Perfeita que resultou em cinco detenções, entre as quais três altos quadros da Defesa e dois empresários, num total de 19 arguidos.

No final do ano passado, noutra audição parlamentar, João Gomes Cravinho deixou claro que não autorizou qualquer despesa adicional. "Se eu autorizei algum acréscimo de despesa além dos 750 mil euros? Não, a resposta é não, não autorizei, nem aliás me foi solicitado que autorizasse", garantiu. Já este ano, o Expresso noticiou que o ministro fora informado, através de um ofício datado de Março de 2020, de que o custo das obras estava a derrapar. "Em nenhuma circunstância se pode imaginar que isso é um pedido de autorização, em nenhuma circunstância se pode imaginar que, não dizendo nada, tacitamente está aprovado", reagiu João Gomes Cravinho no Parlamento.

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