Cravinho nega ter mentido sobre hospital militar mas assume que sabia de “derrapagem”

“Agora, devo dizer que não gostei, não gostei nada mesmo, de ser acusado de mentir, muito menos de mentir ao Parlamento português”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros em Bruxelas.

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Ministro dos Negócios Estrangeiros falou em Bruxelas sobre caso da derrapagem nos custos da requalificação do Hospital Militar Rui Gaudêncio

O ministro João Gomes Cravinho assumiu esta segunda-feira que em Março de 2020, quando tutelava a Defesa, ficou "claro" que o custo das obras no antigo Hospital Militar de Belém estava a derrapar, mas rejeitou categoricamente ter mentido ao Parlamento português.

Em declarações à imprensa em Bruxelas, à margem de uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, Cravinho admitiu que em Março de 2020 "torna-se claro que o custo vai ser superior àquilo que era o custo inicial estimado", mas garantiu que "não há nenhuma mentira" naquilo que declarou ao Parlamento.

Cravinho disse que vai explicar "em pormenor" o processo na Assembleia da República, recordando que em Março de 2020 "a prioridade absoluta" era dar resposta à pandemia da covid-19.

"Agora, devo dizer que não gostei, não gostei nada mesmo, de ser acusado de mentir, muito menos de mentir ao Parlamento português. Não há nenhuma mentira naquilo que eu disse, e isso explicarei em pormenor na Assembleia da República", declarou o agora chefe da diplomacia portuguesa.

Na sexta-feira, o jornal Expresso noticiou que João Gomes Cravinho foi informado em Março de 2020 de que o custo das obras no antigo Hospital Militar de Belém estava a derrapar, o que levou o presidente do Chega, André Ventura, a acusar o ministro dos Negócios Estrangeiros de "mentir deliberadamente" ao Parlamento num debate sobre investigações na Defesa e a pedir a sua demissão.

"Irei ao Parlamento para responder a todas as perguntas que os senhores deputados entenderem colocar e, portanto, teremos tempo para entrar em pormenor naquilo que quiserem e terei o maior gosto em prestar todos os esclarecimentos", declarou o ministro.

Questionado sobre a razão pela qual não foram travadas as obras quando houve conhecimento da derrapagem orçamental, João Gomes Cravinho disse ser necessário recordar o contexto, designadamente o facto de ter coincidido com o início da pandemia da covid-19.

"Eu penso que é preciso recuar aqui um bocadinho a Março de 2020. Não sei se as pessoas estão recordadas do que era a realidade nacional e internacional em Março de 2020. Era um momento em que as nossas sociedades tinham muito rapidamente de se preparar para enfrentar algo de completamente inesperado. Naquele momento, era uma prioridade absoluta erguer uma capacidade para receber futuros doentes covid, num edifício que precisava de ser recuperado para esse efeito", apontou.

"Falta de autorização para incorrer em despesa"

O ministro insistiu que "houve uma estimativa inicial [do custo das obras no hospital militar], veio a perceber-se um pouco mais tarde que essa estimativa inicial era insuficiente e que o custo real seria superior", mas insistiu que "não havia razão nenhuma naquele momento para travar o que quer que seja, pelo contrário".

"Se eu tivesse travado essa despesa, ela não teria sido feita, não haveria hospital [...]. O objectivo naquele momento era criar o hospital, não havia qualquer questão sobre isso", disse. Segundo João Gomes Cravinho, "o grande problema aqui é a falta de autorização para incorrer em despesa, essa é que é a questão central, e que já levou a uma condenação no Tribunal de Contas e que está agora a ser investigada pelo Ministério Público".

"A questão é que renovar o hospital, criar condições para que pudesse acolher doentes, era sempre algo que tinha de ser feito dentro do quadro da lei, não há nenhuma dúvida. E esse é que é o problema: o que é que estava dentro da lei e o que é que não estava dentro da lei", acrescentou.

Por fim, questionado sobre se este caso de alguma forma "belisca" a sua capacidade política para se manter no Governo, o agora ministro dos Negócios Estrangeiros respondeu que "não, de forma alguma".

A 20 de Dezembro último, no debate de urgência requerido pelo Chega no Parlamento sobre o tema, Gomes Cravinho garantiu não ter autorizado um aumento de despesa além dos 750 mil euros inicialmente previstos para a requalificação do antigo Hospital Militar de Belém quando tutelava a Defesa.

"Se eu autorizei algum acréscimo de despesa para além dos 750 mil euros? Não, a resposta é não, não autorizei, nem, aliás, me foi solicitado que autorizasse", assegurou.

A Operação Tempestade Perfeita foi desencadeada em Dezembro pela Polícia Judiciária, em coordenação com o Ministério Público, e resultou em cinco detenções, entre as quais três altos quadros da Defesa e dois empresários, num total de 19 arguidos, que respeita ao período em que João Gomes Cravinho tutelou aquele ministério.

Um dos cinco detidos é o ex-director-geral de Recursos da Defesa Nacional Alberto Coelho, alegadamente envolvido na derrapagem nas obras de requalificação do Hospital Militar de Belém - e que mais tarde presidiu a uma empresa pública do sector da Defesa, a ETI (EMPORDEF - Tecnologias de Informação, S.A).

Em causa estão gastos de cerca de 3,2 milhões de euros na empreitada para reconverter o antigo Hospital Militar de Belém, em Lisboa, num centro de apoio à covid-19, obra que tinha como orçamento inicial 750 mil euros - derrapagem revelada por uma auditoria da Inspecção-Geral da Defesa Nacional (IGDN).