Criminalização da droga
No “meu” Porto, gostaria de não ter que topar (eu e menos ainda os menores) com o uso no espaço público de substâncias psicotrópicas e muito menos de entulho de seringas.
O artigo de Rui Moreira no Expresso sobre o tema em título merece-me uma ponderação séria e sem preconceitos de raiz.
Acho que todos os estudos sobre esta matéria, e outras que em torno dela giram, não permitem uma conclusão definitiva das argumentações antagónicas com que se apresentam em vários domínios. A liberalização, há muitos anos, na Holanda, das chamadas drogas leves levou mesmo ao aumento das chamadas drogas duras. Isto porque, na minha opinião, uma coisa será a fronteira que as separa nos danos (e mesmo isso é duvidoso: o desencadeamento de psicoses está mais ligado ao haxixe do que à cocaína), outra é a não-fronteira (ou fronteira aberta) no trânsito do caldo cultural em que ambas assentam: a alienação da consciência.
Claro que é verdade que o problema não é só securitário, em muito respeita ao domínio do sociológico e mesmo do psicológico nas sociedades contemporâneas, à falta de referências e ao desgaste emocional da incerteza, da frustração perante o mundo real e o que a publicidade e até anúncios oficiais (propaganda) prometem, sobretudo aos mais jovens. Porém, uma coisa é a mera criminalização do consumo (que pode ser elemento dissuasor, mas não panaceia para o mal em si), outra a criminalização do tráfego e do uso em público. Que se veja a queda brutal do tabaco a partir do momento em que ele foi proibido de ser usado em inúmeros locais. Aqui, como noutros países.
Todavia, não sei se uma "criminalização indirecta ou leve" (reprovação social mesmo muito séria e de multa, que não de prisão e com a receita dirigida para centros de desintoxicação e campanhas de esclarecimento) não poderia ser uma boa medida. E quando digo que não sei, não sei mesmo. Não me sinto de posse de argumentos bastantes para ter uma opinião sobre o assunto. É só uma intuição. Mas já sobre a "liberalização", onde se inclui a venda, mesmo que sob condições de constrangimento, ou a possibilidade de plantação se fosse garantido ser unicamente para uso individual – controlo impossível de garantir – me oferece muitas resistências e me coloca no plano de lhe ser contrário. Mas sei uma verdadeira falácia a ideia de que é essa a via para diminuir a aquisição no mercado negro: é o que nos mostram maiorias estatísticas. Permitem-se as leves e o mercado negro aumenta na venda das "duras". Disto só excluo o uso clínico acompanhado em determinadas situações e prescrito por médicos de determinadas competências.
A questão, ao nível de uma sociedade liberal baseada na supremacia do indivíduo, não é fácil de contornar e "ter de tender" para o sim à liberalização. Mas não precisa de ser um sim absoluto e em todos os domínios. E num desses domínios está o consumo (e tráfego) na esfera pública. Nas vias ou locais de acesso público, franqueado, parece-me evidente que existe não apenas o direito, mas o dever de o interditar. Ainda posso admitir que haja "lugares reservados" (como os há para o álcool, de que igualmente discordo do seu uso na via pública) para o consumo de algumas drogas. Mas esses "quiosques", ou como lhe queiram chamar, deveriam ter uma regulamentação "apertada". Desde a proibição da venda de quaisquer outros produtos de outra natureza, alimentícia, por exemplo, aos de "cachimbos", seringas, etc., até à óbvia interdição a menores ou a pessoas que apresentassem sinais de deficiência mental ou de um pré-consumo elevado; e mesmo a um limite de contingentação de consumo per capita.
Dito isto, que merecia, no mínimo ter ultrapassado o espaço do Parlamento e envolvido a certificação prévia de uma comissão com clínicos, sociólogos, ex-toxicodependentes, psicólogos e estudos estatísticos comparativos e exaustivos entre países com um e outros regimes (falo da liberalização), retorno à questão da interdição (e criminalização) do consumo na via ou em espaços públicos.
Situando-me num espaço ideológico que, infelizmente, maioritariamente vai contra o que digo, isso não me afecta. As minhas posições, mesmo políticas, são as que são mediante a minha consciência e circunstâncias e não sobre "cartilhas" ou tendências de época. Mas, nesse caso, sobressaem ainda mais as éticas, cívicas e de munícipe. Nesta matéria chamem-me conservador, que agradeço. Também o serei em relação ao "direito" indiscriminado de compra e posse de armas de fogo ou armas brancas. Estas, onde são de venda livre, vê-se o que originam. Ser contra a venda liberalizada de armas letais (e a droga também é muitas e muitas vezes, tal como nem todas as armas são de uso criminal) e a favor de outra, confesso, faz-me confusão ou traz confuso quem assim pensa.
De qualquer forma, no "meu" Porto, gostaria de não ter que topar (eu e menos ainda os menores) com o uso no espaço público de substâncias psicotrópicas e muito menos de entulho de seringas, quiçá contaminadas, venda do "produto" e "chagas sociais" arrastando-se pelas ruas num péssimo exemplo para a (natural) atracção da adolescência pela transgressão. Quero viver numa cidade limpa. Disso e muito mais. Mas disso também.