Desde que nascemos somos inundados com um conceito: meritocracia. Ouvimos, lemos e aprendemos que apenas dependemos de nós próprios para sermos bem-sucedidos. Que basta esforço, dedicação e ambição. Que as barreiras ao sucesso, ainda que existam, são pouco relevantes e, portanto, a origem de cada um não interessa. Este é o retrato que nos pintam diariamente – que o elevador social existe para corrigir a desigualdade de oportunidades e que, por isso, estamos entregues às nossas capacidades. Contudo, na prática, não é isso que se verifica.
Os dados mostram que apenas 10% dos filhos de famílias pobres chegam ao ensino superior e que a pobreza no nosso país continua a ser hereditária. Daqui podemos escolher uma de duas conclusões: ou consideramos que os mais pobres, por qualquer condição transcendente, são claramente menos meritórios, esforçados e inteligentes que os mais ricos, ou então existe uma série de barreiras que impede a sua ascensão.
A segunda inferência parece ser a mais sustentada pelos factos: 17,4% dos portugueses não possuem dinheiro para aquecer a sua casa no Inverno; sem transferências sociais, o número de pobres sobe de 16,4% (que já de si é um valor escandaloso) para 40%; a inflação esmaga os orçamentos dos mais pobres e atira-os para a miséria. Portanto, a igualdade de oportunidades que tanto apregoam, e que sustenta a meritocracia, é apenas uma ilusão. Por tudo isto, é impossível ignorar a esmagadora influência da condição socioeconómica no sucesso de cada um, independentemente do mérito, esforço ou dedicação que possamos ter.
A ascensão da pobreza mais abjecta até aos lugares cimeiros da sociedade é extremamente complexa e, sendo pragmático, uma ficção. Isto não quer dizer que não existe permeabilidade entre estratos e que alguns indivíduos não possam ascender. Contudo, não podemos alicerçar a nossa sociedade num conceito claramente teórico como é a igualdade de oportunidades. A “tirania do mérito” exacerba a individualidade do ser e coloca o ónus de qualquer resultado da nossa vida sobre as nossas capacidades, ignorando a condição de partida ou até mesmo a sorte.
É difícil argumentar que a desigualdade não é construída e promovida pela sociedade, em particular por quem mais dela beneficia. É o que nos diz Rousseau: “A origem da sociedade e das leis, que resultaram em novos entraves ao fraco e novas forças para o rico, (...) fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, (...), e para proveito de alguns ambiciosos, passaram a sujeitar todo o género humano ao trabalho, à servidão e à miséria”. A desigualdade é, por isso, um pilar essencial para a manutenção da sociedade actual e o tão badalado elevador social torna-se, então, não num instrumento de combate à desigualdade, mas sim numa tese para a sua conservação.
São vários os economistas que demonstram a acumulação exacerbada de capital e como esta resulta numa sociedade menos próspera, com todas as consequências daí resultantes. Urge, por isso, um movimento contracíclico, que promova a redução das desigualdades. Neste campo, Piketty abriu-nos o caminho: passará pela taxação significativa dos mais afortunados, por forma a romper com a lógica meritocrática do sucesso. Piketty não está sozinho nesta luta: a Oxfam, ONG que procura solucionar a pobreza e a desigualdade, propõe medidas no mesmo sentido. Todas caem no âmbito da máxima que resume o pensamento de Clement Attlee, primeiro-ministro trabalhista que edificou o Estado-Providência em Inglaterra: “Charity is a cold grey loveless thing. If a rich man wants to help the poor, he should pay his taxes gladly.”
O edifício no qual edificamos o elevador social tem vindo a aumentar desde a década de 80, incrementando a disparidade entre quem vive na penthouse do último andar e quem habita no rés-do-chão. O elevador social não tem, neste momento, potência para assegurar a ascensão de todos. Não basta, por isso, ajustar a sua velocidade ou a frequência entre passagens. Talvez seja mesmo necessário construir um novo prédio com menos andares.