Paulo Raimundo: há uma “gestão política” dos casos judiciais. “É uma evidência”
O líder dos comunistas admite integrar um Governo com o PS no futuro, mas lembra que Pedro Nuno Santos, putativo sucessor de António Costa, também foi responsável pelas opções deste executivo.
- Segunda parte da entrevista: Impasse com professores “pode abrir caminho” a mexidas na lei da greve
Paulo Raimundo considera que há uma "gestão política" dos casos judiciais que têm fustigado o PS, e outros partidos, e que "mina o próprio sistema democrático", mas pede que não se desvie a atenção dos problemas das pessoas. Em entrevista ao Hora da Verdade do PÚBLICO/Renascença, o secretário-geral do PCP admite que os casos em que o Governo tem estado envolvido não ajudam a sua credibilidade e avisa que a continuidade do executivo não está garantida pela maioria absoluta. Ainda assim, rejeita a hipótese de eleições antecipadas. "O nosso papel não é derrubar governos", assegura.
Garantindo que está a trabalhar para "forçar" o Governo a dar respostas aos portugueses, admite integrar um executivo com o PS no futuro, desde que com outro "rumo". Quanto ao regresso dos renovadores ao PCP, embora afirme que o partido tem espaço para a "integração", recusa levantar as sanções aplicadas a esses ex-militantes.
Há alguma mão invisível que o PCP veja que esteja a funcionar em termos de Justiça?
Não sei se é mão invisível, mas uma gestão política destes casos acho que há. É uma evidência. Basta ver que, nas várias sequências de “casos e casinhos” que têm surgido, diferentes uns dos outros, nalguns casos são notícias requentadas com mais de dois anos que voltam a surgir com uma nova dimensão que não têm ou que podem não ter. Há aqui um problema mais de fundo.
Estamos perante uma situação que mina o próprio sistema democrático, mina a democracia e quer arrastar todos para o lamaçal. Essa é que é a questão de fundo com que estamos confrontados. É preciso, primeiro, que a Justiça cumpra o papel que tem — e está a fazê-lo —, que tenha meios para isso, mas simultaneamente, também não procurar desviar a atenção para o centro destes casos que todos os dias vão surgindo, desviando daquilo que é fundamental, que é a situação das pessoas e a situação do país.
Considera que ainda há condições para o Governo se manter em funções ou seria melhor convocar eleições?
Não temos nenhuma obsessão com eleições antecipadas. E, além disso, a questão principal para nós não é tanto este conjunto de “casos e casinhos” como têm vindo a ser classificados. A questão de fundo é a questão das opções políticas, aí é que está o problema. O facto de [o Governo] ter maioria absoluta por si só não é um garante de que chegará até ao fim. O que pode não levar o Governo até ao fim é a política que desenvolve. As opções que tem feito são opções erradas e que no fundamental são acompanhadas por aqueles partidos que exigem todos os dias eleições antecipadas. Ou, pelo menos, que se começam a perfilar nesse sentido.
Basta ver aquilo que são as opções de fundo do ponto de vista económico. e até do ponto de vista social. para ver que PS, PSD, Chega e IL na Assembleia da República alinham perfeitamente. Aliás, há dois aspectos em concreto onde essa semelhança é reveladora. Quando toca a beliscar os lucros dos grandes grupos económicos, lá estão unidos contra essa opção. Ou quando toca, ultimamente, a questão dos direitos dos trabalhadores, em particular nos salários, também lá estão unidos a travar esse andamento. E é isto também que os outros partidos, em particular estes, como frisei, não querem discutir. Querem discutir outras coisas, os tais "casos e casinhos". Agora, diz-me assim: este conjunto de casos ajuda à credibilidade do Governo? Não ajuda. É uma evidência.
Este foco no PS e no Governo pode ser benéfico para o PCP? Ou seja, pode dar tempo e espaço para reforçarem o PCP?
Estamos a procurar reforçar o partido nas suas várias linhas de trabalho, de acção, de intervenção, tomar a iniciativa como afirmámos na conferência [nacional], voltado para os problemas em concreto das pessoas. É nesse enquadramento que estamos, em torno dos salários, da produção nacional, das potencialidades do país. Do ponto de vista da distribuição da riqueza, temos um problema.
Voltando à questão da TAP, uma parte significativa dos comentadores que vamos ouvindo vão-se escandalizando com os 3 mil milhões que o Estado injectou no financiamento da TAP, mas ninguém se escandaliza com os 4 mil milhões de euros de lucros dos grupos económicos nos primeiros nove meses do ano passado ou com os 6 mil milhões de euros que o Orçamento do Estado entrega ao sector privado da saúde ou com os 3 mil milhões de euros que o Estado decidiu entregar de forma directa e indirecta às empresas da energia.
É nisso que estamos focados e, como disse, o nosso papel não é derrubar governos, é forçar com as forças todas que tivermos, no plano político e no plano social, para que os governos respondam aos problemas que as pessoas enfrentam. É aqui que estamos concentrados. E não precisamos de ganhar tempo, não estamos à espera de tempo, estamos a trabalhar todos os dias e prontos para todas as batalhas que se venham a desenvolver.
Numa entrevista recente à TSF, admitiu integrar um governo, mas em que condições é que o PCP aceitaria integrar esse governo?
Um governo que nós integremos ou formemos é um governo que tem de dar resposta a uma emergência nacional com que nos confrontamos, que é o aumento dos salários. É um governo que não pode passar ao lado, como se não se passasse nada, destes milhares de milhões que se vão lucrando sem que haja uma beliscadela nesses lucros. É um governo que não olha para o Serviço Nacional de Saúde como um prejuízo. Tem que ser um governo que invista no SNS. Tem que ser um governo que coloca as questões da produção nacional e das capacidades que temos ao dispor do país e do desenvolvimento.
Um governo que nós formemos ou que integremos tem que olhar para o problema demográfico, que é uma questão muito badalada nesses últimos dias.
E política de nacionalizações?
Claro, é uma evidência. Talvez haja dois exemplos muito evidentes. Vamos começar pela Galp, pela Petrogal. Decidimos entregar a Petrogal de mão beijada. E está aí a evidência do que significou do ponto de vista da incapacidade do Estado de ter nas suas mãos um instrumento que neste momento tinha sido decisivo. Porque os 680 milhões de euros que a Galp teve de lucros nos primeiros nove meses do ano passado davam muito jeito à nossa gestão pública.
Por exemplo, a EDP e a REN: temos um país onde a empresa que faz a distribuição da rede eléctrica está em mãos privadas. Voltando ao aeroporto, o problema da ANA é um caso típico de entregar a gestão do tráfego aéreo aos privados. Ora, isto não é possível. Podemos dizer assim: mas se chegassem amanhã nacionalizavam tudo? Ora, isso sabemos que não é possível. Mas há um conjunto de sectores, estes que referimos agora, por exemplo, que são fundamentais para a gestão do país. Isso não pode estar entregue nas mãos dos interesses privados que tanto compram as electricidades como amanhã vendem sapatos. É essa a experiência que temos.
Seria mais fácil integrar um governo do PS com António Costa como primeiro-ministro ou de um PS que tivesse à frente Pedro Nuno Santos, da ala mais à esquerda?
O que sabemos na prática é que os nomes que referiu, um ainda é primeiro-ministro e o outro é ex-ministro, estiveram juntos no Governo durante sete anos.
Mas um é da ala mais à esquerda do PS.
Estiveram sete anos no mesmo Governo. Não foi dois meses. Depois zangaram-se. Foram sete anos. E as opções de fundo do PS que nós condenamos têm o dedo e a marca, entre outros, desses dois dirigentes que referiu do PS. Aquilo com que estamos confrontados no momento é um confronto político e ideológico de grande dimensão, onde há uma opção de atacar tudo o que é público — a TAP, o SNS, que [o PS] quer abocanhar —, e a opção de uma necessidade de ruptura política com este caminho.
E nós temos esse projecto, que é a alternativa patriótica e de esquerda, assente naqueles princípios de que ainda há pouco falámos. No fundamental, são esses princípios. E, no nosso entender, o caminho da alternância que se está a procurar impor, é um caminho de acentuar este rumo que está em curso. Ora, o que nós precisamos é de romper com este rumo. E, para isso, precisamos de todos os que o quiserem.
Em entrevista à Lusa, disse que uma parte dos militantes que saíram do PCP em 2000 “fazem muita falta”. Desde então, já houve algum ex-militante renovador a regressar?
Não sei no concreto. Queria apenas acrescentar a essa afirmação uma convicção que tenho de que por várias razões [há] um conjunto de gente que se afastou do partido, com razões que respeitamos, mas que olha para o partido, apesar de tudo, como um partido confiável. Um partido que não é de troca-tintas, um partido que, independentemente do que custe a verdade, diz a verdade.
Olhando para o partido dessa forma, aquilo que dissemos é que a gente que reconhece isso no PCP tem todo o espaço para intervir com o PCP. Uns ao lado, outros dentro, e outros nem ao lado nem dentro, mas alinhando nas grandes questões que são precisas colocar. E perante a situação em que estamos, do ponto de vista social e económico, é preciso que toda essa gente venha para a resposta política e social.
Que passos efectivos está disposto a dar para que esses ex-militantes regressem? Admite anular as penas de suspensão e de expulsão?
Não, vamos lá ver, a gente tem um debate feito há 20 anos. Estive nele também, foi muito intenso. E o PCP decidiu seguir o caminho que seguiu. E o PCP é o quê? É este, não é outro. E, portanto, não se peça ao PCP para alterar agora o que é. Não, isso é uma evidência, não é por aí. Agora, desde Janeiro do ano passado até agora temos mais de 2400 novos militantes no partido.
Gente muito diversa, eventualmente alguns que por esta ou por aquela razão se afastaram. E, portanto, temos o espaço para isso, para integração, para envolvimento, e precisamos que essa gente toda venha, e que cada vez venha mais gente, para o partido para assumirem nas suas mãos a construção do partido.