Portugal tem entre 660 a 680 mil pessoas que vivem numa situação de pobreza energética severa, o que significa que pertencem a “agregados familiares em situação de pobreza cuja despesa com energia representa +10% do total de rendimentos” e que acumulam a “situação de pobreza monetária ou económica” com a impossibilidade de manterem as suas casas em condições de conforto térmico.
O número surge na Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética 2022-2050 (ENLPCPE 2022-2050), que o Governo colocou recentemente em consulta pública (até 3 de Março) e que entende ser “consensual considerar que a franja da população que se encontra em situação de pobreza monetária se encontra também em situação de pobreza energética”.
Garantir maior conforto nas habitações, mais rendimento disponível e melhor qualidade de vida e saúde para as famílias e indivíduos em situação de pobreza energética são os principais objectivos desta estratégia, que se assume estar interligada com outra estratégia nacional, a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), que ambiciona dotar o país de um “parque de edifícios descarbonizado e de elevada eficiência energética” (partindo de um cenário em que quase 70% dos edifícios tem classe de eficiência C ou abaixo disso).
Segundo o documento colocado em consulta pública pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC), a pobreza energética afecta entre 1,8 milhões a três milhões de portugueses, consoante o critério de avaliação seja as condições de vida dos agregados familiares (se têm ou não capacidade “para manter a casa adequadamente aquecida” — e estima-se que em 17,4% dos agregados isso não seja possível) ou o peso da factura energética nos rendimentos (pelo menos três milhões de pessoas pertencem a agregados familiares em que a factura energética consome um décimo do orçamento).
Daí que o documento considere que é possível “graduar a pobreza energética de acordo com a sua severidade” para “criar as melhores respostas devidamente adaptadas ao público-alvo”, considerando que cerca de 660 a 680 mil vivem situações mais dramáticas e “entre 1,1 a 2,3 milhões de pessoas [vivem] em situação de pobreza energética moderada”.
A pobreza energética, que afecta em larga escala as famílias monoparentais e os idosos, é “uma forma distinta de pobreza que está associada a uma série de consequências adversas em relação à saúde e ao bem-estar dos indivíduos, como problemas respiratórios, cardíacos e de saúde mental, devido à falta de condições habitacionais e de rendimento”.
Ao facto de não conseguir manter uma temperatura adequada em casa, junta-se o “stress resultante da incerteza de conseguir suportar os custos de bens essenciais”, lê-se no documento, que recorda os dados de 2019 do Eurostat, que apontam para que 26,6% da população em agregados constituídos por apenas um adulto “não tenham capacidade para manter a casa suficientemente aquecida”, o mesmo acontecendo com 23,3% dos agregados compostos por um adulto com crianças a cargo.
Apoio ao preço
“Quanto mais severo for o caso de pobreza energética, maiores as consequências”, daí que, entre as medidas previstas para mitigar a situação, persistam os “mecanismos de apoio ao preço”, como as tarifas sociais de electricidade e gás, que continuarão a ser utilizadas, de forma a “alcançar reduções nos encargos com os consumos de energia, permitindo assim um aumento no rendimento disponível das famílias”.
A atribuição de vales a famílias vulneráveis para melhorar a eficiência energética das habitações continua na agenda pelo menos até 2025, bem como a atribuição de apoios, incluindo “apoios não reembolsáveis” a proprietários e arrendatários para intervenções como o isolamento térmico ou a “substituição e/ou adopção de equipamentos e sistemas energeticamente eficientes, promovendo a electrificação dos consumos”.
Outra prioridade é garantir o acesso das famílias em situação de pobreza “a novas formas de produção de energia”, como o autoconsumo e as comunidades de energia renovável (CER), incluindo a criação de “estímulos e incentivos aos promotores” para que desenvolvam estes projectos.
Entre outras medidas, a estratégia em consulta pública também admite a possibilidade de “criação de mecanismo(s) de apoio extraordinário(s) à factura da energia direccionado às famílias em situação de pobreza energética, especificamente para fazer face à ocorrência de fenómenos adversos e extremos (ex.: vaga de frio; vaga de calor)”.
São situações que “provocam um aumento significativo das necessidades energéticas com vista à obtenção de conforto térmico”.
O desenvolvimento de “estratégias locais” de combate à pobreza energética, nomeadamente com a articulação com municípios e agências regionais de energia, é outro dos caminhos defendidos, bem como a criação de incentivos fiscais para acções comprovadas de melhoria no desempenho energético da habitação.
Menor peso da energia no rendimento
Se as várias medidas forem postas em prática e funcionarem, daqui até 2050 há vários “objectivos indicativos” que a estratégia prevê atingir.
Uma das metas visa que a população a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida recue dos 17,4% de 2020 (segundo o INE) para 10% em 2030, 5% em 2040 e menos de 1% em 2050.
Se se estima que existam hoje três milhões de pessoas em agregados que despendem 10% dos rendimentos em despesas energéticas (dados de 2016, do INE), o total deverá cair para 700 mil em 2030, 250 mil em 2040 e zero pessoas em 2050.
A percentagem de população que vive actualmente em habitações com problemas de infiltrações, humidade ou pavimentos, paredes, janelas ou telhados apodrecidos deverá descer dos 24,4% (dados de 2019, do Eurostat) para 20% em 2030, 10% em 2040 e menos de 5 % em 2050.
Além disso, o Governo espera também que diminua o número de pessoas que não vivem em casas “confortavelmente frescas durante o Verão” dos 35,7% (dados de 2012, do Eurostat), para 20% em 2030, 10% em 2040 e menos de 5% em 2050.