Há uma greve de professores mais impactante do que todas as greves

Ao contrário de outras profissões em que se pode colmatar a falta de recursos com profissionais de outros países ou o fecho alternado de serviços, na educação estas soluções não são viáveis.

Foto
"Ô que é necessário é tornar a profissão mais atrativa, com tudo o que isso implica" rui gaudencio/arquivo

Muito se tem escrito e falado sobre a greve dos professores, que é um assunto incontornável que está na ordem do dia. Mas há outra “greve” de professores que já começou a ter repercussões nas escolas e que será a mais impactante de todas as greves: é a “greve” de candidatos no acesso à profissão docente.

Nas últimas décadas, tem-se verificado um decréscimo acentuado do número de candidatos no acesso à profissão, o que, aliado à idade dos docentes que estão no ativo, vai conduzir a uma falta generalizada de professores nas nossas escolas, que já está a verificar-se. Mas, segundo os dados prospetivos divulgados, vai agravar-se ainda mais. E isso é muito preocupante, tanto mais porque é difícil encontrar uma solução para este problema.

Ao contrário de outras profissões nas quais se procura colmatar a falta de recursos humanos com a contratação de profissionais oriundos de outros países ou o fecho alternado de serviços, na educação este tipo de soluções não é viável, devido à barreira da língua e à necessidade de manter os alunos na escola durante o tempo letivo.

Perante a falta de soluções, só nos resta a alternativa de encarar, com lucidez, a génese do problema. E até podemos tentar encontrar muitas razões para justificar a falta de candidatos à profissão, mas a explicação mais verdadeira é a mais simples: os jovens deixaram de querer ser professores. E a justificação que está na base desta falta de interesse também é básica e radica na falta de atratividade da carreira docente.

Esta falta de atratividade deve-se a razões também já muito elencadas, como os baixos salários, a precariedade, a instabilidade, a falta de progressão na carreira, um modelo de avaliação considerado inadequado, a falta de reconhecimento profissional e, ainda – e não menos importante −, a indisciplina e os problemas sociais que afetam o funcionamento da sala de aula, com um grande desgaste para os docentes.

A este problema da falta de quantidade de professores junta-se um outro não menos impactante. É que, além de não atrair muitos jovens, esta profissão, de um modo geral, não é atrativa para os melhores alunos do ensino secundário. Esses, na verdade, escolhem outras profissões que lhes poderão proporcionar melhores condições de vida e carreiras mais promissoras. E quem poderá criticá-los?

Assim, estamos diante de um paradoxo, que reside no facto de uma profissão considerada tão importante para assegurar a qualidade da formação das gerações futuras não ser atrativa para os candidatos mais habilitados, que preferem escolher outras profissões. Também para esta incongruência não é fácil encontrar uma solução. Mas da resposta a esta questão depende a escola do futuro e a educação dos nossos filhos e netos. Daí que esta questão seja muito séria.

E não vale a pena recorrer a mecanismos que mascaram os problemas sem, contudo, os resolverem. Aumentar o número de vagas nos cursos para professores não é suficiente para as preencher, nem para atrair os melhores candidatos. É necessário mais do que isso. E o que é necessário é tornar a profissão mais atrativa, com tudo o que isso implica. Só que aquilo que é necessário tem, inevitavelmente, um custo, implicando alterações no exercício da profissão e na carreira docente.

Se não houver a capacidade de tornar a profissão docente mais atrativa, quais serão as consequências? Vale a pena pensarmos nisso. Neste momento, pode dizer-se que já vamos tarde para inverter a tendência da falta de professores nas nossas escolas. Mas, se nada fizermos, esta tendência irá certamente agravar-se. E quanto a este outro custo, de valor incalculável, será que estamos dispostos a pagá-lo?


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Ler 12 comentários