Lusitânia “surpreendida” com protecção dada a seguradoras que assumiram cartel
Ao abrigo do instrumento de clemência, a Seguradoras Unidas (ex-Tranquilidade) beneficiou de dispensa total de coima e a Fidelidade e a Multicare de uma redução.
O presidente executivo da Lusitânia declarou-se esta segunda-feira “surpreendido” com a protecção dada às duas companhias de seguros que assumiram práticas anticoncorrenciais no processo em que esta foi condenada pela Autoridade da Concorrência (AdC) ao pagamento de 20,5 milhões de euros.
Paulo Silva prestou declarações como legal representante da Lusitânia, na fase final do julgamento dos recursos apresentados junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, por esta companhia de seguros e pela Zurich Insurance (condenada em coima de 21,5 milhões de euros), num processo em que, ao abrigo do instrumento de clemência, a Seguradoras Unidas (ex-Tranquilidade) beneficiou de dispensa total de coima e a Fidelidade e a Multicare de redução, pagando ambas, no total, 12 milhões de euros.
Além da adesão ao Programa de Clemência, estas seguradoras participaram num “processo de transacção, no qual as empresas reconhecem a culpa e abdicam da litigância judicial”, beneficiando de mais uma redução de 10% no valor da coima.
O responsável da Lusitânia considerou “curiosa” a ligação da companhia ao cartel assumido pela então Tranquilidade e pela Fidelidade, salientando não ter encontrado no processo movido pela AdC nenhuma referência a qualquer envolvimento das áreas técnica (que definia os preços) e de subscrição.
“É estranho”, disse, assegurando que, na Lusitânia, os procedimentos assumidos pelas seguradoras que beneficiaram do regime de clemência, envolvendo pessoas ao mais alto nível, “não poderiam ter acontecido”.
Paulo Silva declarou que “quem fez o cartel” tinha o “negócio” montado com as áreas técnicas e de subscrição e que, da Lusitânia, “não há nada” dessas áreas.
Questionado pela mandatária da AdC sobre se não encontrou na prova nada que o deixasse desconfortável, Paulo Silva disse que pode ter existido “voluntarismo em algumas matérias”, com e-mails escritos de forma “mais ou menos exuberante” ou “mais ou menos coloquial”, apreciações que, afirmou, resultam de especulação face à forma descontextualizada e isolada com que são apresentados esses elementos.
O responsável da Lusitânia afirmou que, na sequência da coima aplicada pela AdC, o regulador dos seguros impôs a constituição de uma provisão no valor de 10,25 milhões de euros (50% do valor da coima), o que na prática representou um reforço de 20 milhões de euros dos fundos próprios, através de um aumento de capital da Associação Mutualista Montepio, a que acresceu a caução exigida pelo TCRS (também 50% do valor da coima).
Paulo Silva afirmou que o esforço exigido à companhia levou a que não avançasse o plano de investimentos previsto para modernização informática, o que teve impactos na empresa, nomeadamente na perda de quota de mercado, que passou de cerca de 4,5% para 3,7%, ao contrário do que aconteceu com as companhias que assumiram práticas anticoncorrenciais, as quais “aumentaram bastante as suas quotas de mercado”.
Segundo disse, a Lusitânia desenvolveu mecanismos de gestão de riscos e de controlo interno, obedecendo ao código de ética do grupo Montepio, salientando que a companhia é uma “empresa instrumental para fazer face à responsabilidade social do grupo”, cuja principal preocupação é corresponder às expectativas dos 600 mil associados e assegurar o pagamento dos compromissos em caso de sinistros.
Na sua decisão, a AdC concluiu que o acordo celebrado entre as companhias para repartição de grandes clientes empresariais de alguns sub-ramos de seguro não vida, mediante a manipulação dos preços a constar das propostas que lhes eram apresentadas, foi restritivo da concorrência, tendo as visadas agido com dolo.
Segundo a AdC, o acordo durou pelo menos sete anos e meio, desde o final de 2010 até Junho de 2017, tendo a participação de cada seguradora sido distinta.