África do Sul investiga vídeo de tropas a queimarem corpos em Moçambique
Vídeo mostra militares — alegadamente do Exército sul-africano e outros elementos desconhecidos — a atirarem cadáveres para uma pilha de escombros a arder.
As Forças Armadas da África do Sul anunciaram a abertura de um inquérito sobre o alegado envolvimento de soldados seus num vídeo que mostra tropas a queimarem corpos em Cabo Delgado, Moçambique. Nesta quinta-feira, a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral — a organização que lidera a missão em Cabo Delgado — descreveu o vídeo como "perturbador" e prometeu "tomar medidas".
O Presidente da Namíbia, Hage Geingob, que dirige a missão da organização africana em Cabo Delgado, disse ter "tomado nota" do que aconteceu e confirmou que a missão em Moçambique (a SAMIM, na sigla original) está a investigar o caso.
"Desejo salientar categoricamente que a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral não aprova os actos descritos no vídeo e, uma vez concluídas as investigações, irá tomar as medidas apropriadas de acordo com o Direito Internacional em conflitos armados", disse Geingob numa declaração no Twitter.
O vídeo, divulgado nas redes sociais, mostra militares — alegadamente do Exército sul-africano e outros elementos desconhecidos — a atirarem cadáveres para uma pilha de escombros a arder, segundo as autoridades militares de Pretória.
“O Comandante da SAMIM está a realizar uma investigação sobre o envolvimento dos seus membros neste acto desprezível”, disse a Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF) num comunicado a que a Lusa teve acesso.
No comunicado, o porta-voz da SANDF, Andries Mokoena Mahapa, disse que o Exército sul-africano “tomou recentemente conhecimento de um vídeo a circular nas redes sociais retratando membros em uniforme de uma Força de Defesa ainda não identificada a atirarem cadáveres para uma pilha de escombros a arder, bem como os elementos da SANDF observando-os”.
Segundo a nota, o incidente terá ocorrido durante o mês de Novembro de 2022, em Moçambique, para onde a África do Sul destacou um contingente militar como parte da missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral.
“Uma vez que as forças são destacadas, elas fazem parte de uma força combinada e estão sob o comando e controlo da SAMIM. A África do Sul apenas apoia a missão logisticamente”, lê-se no comunicado.
"Guerra esquecida"
Apesar das imagens, amplamente difundidas nas redes sociais, Geingob destacou a forma "responsável e profissional" como as tropas da SAMIM actuaram durante todo o conflito, sublinhando que estão "empenhadas" na luta contra o terrorismo e a violência em Cabo Delgado.
A Amnistia Internacional (AI) disse que as imagens são um exemplo "horrível" do que está a acontecer na "guerra esquecida" que está a ter lugar nesta província no norte de Moçambique.
"A queima de corpos por soldados é deplorável e provavelmente uma violação do direito humanitário internacional, que proíbe a mutilação de cadáveres e exige que os mortos sejam tratados com respeito", disse Tigere Chagutah, um dos representantes da AI para a África Oriental e Austral.
Chagutah apelou à SAMIM para abrir uma investigação "rápida, completa e independente" sobre as imagens e para tomar as medidas adequadas contra os responsáveis.
"A segurança em Cabo Delgado não deve ser imposta à custa da violação dos direitos humanos", salientou Chagutah.
Região rica em matérias-primas e importantes depósitos de gás, Cabo Delgado tem sido palco, desde Outubro de 2017, de ataques das milícias islâmicas conhecidas como Al-Shebab, sem relação com o grupo do mesmo nome que opera na Somália e que tem ligações com a Al-Qaeda.
Desde meados de 2009, as acções têm sido reivindicadas sobretudo pelo grupo fundamentalista Estado Islâmico da África Central, que intensificou as suas acções em Março de 2020.