Numa aldeia, a Emily in Paris seria uma galdéria

Matilde e Emily podiam ser amigas. Se estivessem as duas a viver na aldeia, talvez Matilde não decidisse regressar a Lisboa.

Foto
Lily Collins, a protagonista da série, com a actriz Ashley Park Reuters/BENOIT TESSIER

Quando a programadora Matilde decidiu regressar à sua terra natal, no interior do país, estava convicta de que a interioridade seria o sonho, a paz por que ambicionava, depois de vários anos a trabalhar em Lisboa.

Sabia que voltaria a ter ovos frescos à porta e a ter quem lhe apanhasse a roupa do estendal, caso começasse a chover e não estivesse em casa. O que ela não sabia era que seria olhada de lado, de cada vez que convidasse um amigo para ir a sua casa. Ou que seria vista como uma ameaça, pelo facto de não ser casada, e que todas as mulheres da idade dela, a evitariam, ou pior lhe lançariam o olhar mais malévolo, perante o deslumbramento dos maridos, face à minissaia vermelha em vinil.

Também desconhecia que voltaria a ouvir expressões como: “Aquela roubou-lhe o marido”, ou “é uma perdida”, ou ainda “consta que recebe homens em casa”. Efectivamente, Matilde concluía que o apogeu e empoderamento das mulheres, não era geograficamente igualitário em Portugal, apresentando nuances diversas. Ironicamente, Matilde sente-se menos livre num espaço com horizontes mais largos e onde o sol se estende na vasta planície.

Matilde tenta descontrair e ignorar o zunzum que sente à sua passagem na pequena aldeia, quando à noite, vê mais um episódio da série Emily in Paris, do Netflix, e cuja trama lhe relembra a vida que tinha em Lisboa.

Após conseguir o trabalho de sonho em Paris, Emily Cooper, natural de Chicago, começa uma nova vida de aventuras no trabalho, na amizade e sobretudo no amor. Nos primeiros episódios desta série, a protagonista deslumbra-se com os encantos da cidade luz, encantos que não deixam de fora o padrão de beleza masculino francês, tendo Emily várias experiências sexuais com diferentes parceiros. Há inclusivamente, no primeiro episódio, uma cena caricata que mostra a liberdade sexual da mulher do século XXI, quando Emily decide relaxar com um vibrador, brinquedo sexual que causa um apagão da luz no quarteirão, ao ser conectado na tomada.

Matilde e Emily podiam ser amigas. Se estivessem as duas a viver na aldeia, talvez Matilde não decidisse regressar a Lisboa. Talvez pudessem enfrentar juntas as fofocas do quotidiano, derrubando todos os velhos clichés associados às mulheres. E assim, muito provavelmente, também aquela pequena aldeia deixasse de ser pequena, para passar a ser grande.

Na verdade, uma mulher que vive num meio mais pequeno depara-se com uma realidade bem diferente daquela que se vive numa grande cidade. De apreciação subjectiva, não concluímos se é uma realidade melhor ou pior, mas certamente diferente no que diz respeito à liberdade de ser. As mulheres que criticam publicamente outras mulheres, muitas vezes admiram silenciosamente a coragem e audácia de as verem ser quem quiserem, vestirem o que quiserem ou pensarem e sentirem o que desejarem, tal como a Emily in Paris. Precisamos de muitas ‘Emily in aldeia’.

Sugerir correcção
Comentar