Está na hora de arriscar num branco de Callum

A melhor forma de respondermos ao esforço dos produtores que investem na preservação de castas raras é comprar, provar e divulgar vinhos invulgares, mas bons. Fica-nos bem.

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Quinta dos Termos: na vinha, onde se encontram os clones de Callum (à esq.) Direitos Reservados

Abençoado país que, apesar de toda a riqueza que já exibe em matéria de castas, ainda consegue lançar, volta não volta, vinhos varietais de castas que ora estavam perdidas e não identificadas nas vinhas velhas ora estavam simplesmente desprezadas. Há de tudo. Hoje falaremos da casta Callum, da região da Beira Interior. Maria José Santana publicou recentemente um interessante trabalho no Público sobre dois empreendedores que recuperam a casta em Oleiros (o Sérgio Antunes e Domingos Tiodósio com a marca Cepa C'alua). Hoje destacaremos o Herdade do Lousial Callum e o trabalho que a equipa da Quinta dos Termos faz a partir de um campo ampelográfico que instalou na região de Castelo Branco. Os vinhos são distintos, mas o objectivo é o mesmo: preservar uma casta que, por via das alterações climáticas, pode ser um achado para a região da Beira Interior.

A preservação das espécies é um imperativo civilizacional. No caso da Vitis vinífera, preservar uma casta não tem apenas como objectivo colocá-la num banco de germoplasma como se fosse uma peça de museu que de quando em vez se usa para testar o perfil de vinho que dá (e isso em si já seria importante). Preservar tem como objectivo guardar material vegetativo que será importante daqui por 10, 30, 50 ou 100 anos. Atendendo a que ninguém sabe como será o mundo no médio e longo prazo (em termos de clima ou de hábitos de consumo), preservar castas é um exercício inteligente, tanto mais que poucos países estão despertos para o assunto. Portugal, através do trabalho do professor Antero Martins, na Porvid, é mesmo pioneiro na metodologia da preservação da videira. Ao menos nisso somos os melhores do mundo.

Agora, para que essa preservação seja eficaz, os genótipos da casta não podem ficar apenas em vasos nos campos ampelográficos espalhados pelo país. A preservação tem, isso sim, de ocorrer pela via da multiplicação e plantação de novos vinhedos em diferentes regiões vitícolas, sempre com a preocupação de disseminar o maior número de clones possível - os mais ou menos produtivos, os mais ou menos ricos em açúcares ou mais ou menos ricos ácidos. E é isso que, em boa hora, os responsáveis da Quinta dos Termos fizeram quando, em 2015, instalaram uma vinha de dois hectares com 92 clones da casta Callum - e que é hoje responsável do vinho que vai aqui em destaque.

Convém dizer, nesta fase, que a Callum é a casta Batoca da sub-região de Basto (Vinhos Verdes), mas que, por razões misteriosas, poisou há séculos em Oleiros e arredores, onde está em modo de latada e a fazer as divisões de terrenos quase sempre próximos de linhas de água, como no Minho. Parece que na região noroeste do país houve quem não apreciasse o reconhecimento da casta que agora tem o nome oficial de Callum na Beira Interior, mas, a nosso ver, isso não faz sentido. Bem pelo contrário. Se ela só existe nestas duas regiões — que são climaticamente bem diferentes — pois nada melhor do que promover o lançamento e provas dos vinhos nos dois lados. Ganha toda a gente: produtores e consumidores. E, pelo que sabemos, em modo varietal temos apenas dois produtores da Beira Interior e só um da sub-região de Basto – a Quinta de Santa Cristina, cujo vinho será um dia destes avaliado aqui no Terroir.

E se em Oleiros a ideia é, por parte de Domingos Tiodósio e Sérgio Antunes, manter as cepas em latada (é a vinha como elemento do património cultural), a família Carvalho, da Quinta dos Termos, quer perceber qual é o comportamento da casta quando instalada em modo de condução intensiva (viticultura moderna). “Estamos numa fase embrionária. E, como temos muitos clones, é cedo para traçarmos o perfil do vinho da casta Callum. Perceber uma casta demora anos, quer do ponto de vista vitícola quer do ponto de visa enológico, mas há uma coisa que parece certa: a circunstância de a casta se dar bem com temperaturas altas pode ser muito interessante face à questão das alterações climáticas”, refere ao Terroir Pedro Carvalho, que gere o marketing e a estratégia daquela empresa familiar.

Claro que o facto de a Quinta dos Termos estar a fazer este investimento é, em si, um excelente indicador, visto que se hoje podemo-nos deliciar com vinhos brancos da casta Fonte Cal devemo-lo à visão de João Carvalho — a alma da Quinta dos Termos. “Há uns anos, ninguém se interessava pela casta. Mas, hoje, temos sempre inúmeros produtores que querem material vegetativo nosso para instalar nas suas vinhas. Pode ser que aconteça o mesmo com a Callum”, diz-nos Pedro, que é filho de João Carvalho.

Sobre castas abandonadas existem certas ideias feitas em função de conceitos científicos datados. Sucede que, hoje, algumas intervenções na condução das plantas fazem com que o viticultor possa ter uvas sãs e ricas nos tempos certos. A casta Callum é conhecida por amadurecer tarde (em Outubro), o que era um problema quando o equinócio de 21 de Setembro trazia as malvadas chuvas. Mas isso era naqueles tempos. Hoje, tudo muda. E, cereja em cima do bolo, a casta dá-se bem com o calor. Donde, preservar e fazer vinhos da casta Callum não é um devaneio. É um exercício com pés e cabeça e cria ruído para a região da Beira Interior, que tem bons trunfos para se tornar numa região de moda.

Neste momento, existem dois brancos de Callum no mercado: o Cepa C'alua 2020, de Sérgio e & Tiodósio Lda e o Herdade do Lousial Callum 2021, da Quinta dos Termos. Como têm perfis bem diferentes, devem ser comprados e provados entre amigos, até porque é o mínimo que podemos fazer para recompensar o esforço dos responsáveis das duas empresas na recuperação de uma casta em risco de extinção. Talvez por ser um projecto com carácter mais romântico e feito por amigos que não estavam relacionados com o vinho, o Cepa C'alua está em processo de definição de perfil. A injecção de gás no vinho, por exemplo, vai ser abandonada. E ainda bem. Veremos o que acontece nas próximas colheitas. Hoje destacamos o Herdade do Lousial.

Nome Herdade do Lousial Callum 2021

Produtor João Carvalho

Castas Callum

Região Beira Interior

Grau alcoólico 12,5 por cento

Preço (euros) 15

Pontuação 91 pontos

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova É cedo para percebermos que perfil terá um branco de Callum, mas, pela prova recente dos dois vinhos de Callum actualmente no mercado (o outro é o o Cepa C'alua 2020, de Sérgio e & Tiodósio Lda), tudo leva a crer que as notas florais andarão sempre por perto, algo que nos faz lembrar as tílias quando estão em flor, tudo à mistura com aromas de fruta. Na boca, de início, a primeira sensação é de leveza e cremosidade, mas o vinho revela bom equilíbrio entre estrutura, acidez e álcool. E, lá está, é vinho para dar conversa à mesa. Os melhores são assim.

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