Novo modelo de acesso ao superior divide estudantes. Universidades privadas aplaudem
Opiniões dos alunos do ensino secundário sobre proposta do Governo entre elogios ao “equilíbrio” e a oportunidade perdida para acabar de vez com os exames nacionais.
Entre aqueles que são militantemente contra a existência de exames nacionais e os que encontram algum “equilíbrio” na revisão do modelo de acesso ao ensino superior, a proposta que o Governo tem estado a discutir com os parceiros do sector provoca reacções divergentes entre os estudantes do ensino secundário. Já as universidades privadas e os politécnicos públicos avisam que o número de provas previstas pode afastar muitos alunos de um curso superior.
A primeira resposta dos estudantes do secundário é de “alívio”, depois de o ministro da Educação ter anunciado, esta terça-feira, que os exames deste ano lectivo servirão apenas como prova de ingresso no ensino superior, tal como aconteceu nos últimos três anos. “É muito bom sabermos já”, começa por elogiar Melchior Aires, presidente da associação de estudantes da escola Secundária de Camões, em Lisboa. No ano passado, o Governo só anunciou uma decisão em Março.
Além disso, aquele dirigente estudantil entende que “não seria justo” que os alunos que, como ele, estão no 12.º ano e fizeram os dois primeiros anos do ensino secundário em contexto de pandemia, tivessem regras diferentes dos colegas mais velhos. “Também fomos muito prejudicados pelos confinamentos”, justifica, pelo que a solução é bem acolhida pelos alunos.
Quanto à proposta de alteração ao modelo de acesso, que o Governo pretende começar a aplicar em 2024, Melchior Aires vê “equilíbrio” na solução. “Os exames devem existir”, defende, embora considere que “deve existir a oportunidade” de os alunos de fazerem escolhas sobre as provas que realizam, questionando a pertinência da existência de uma prova de Português obrigatória para todos os alunos, independentemente da área específica em que estão a estudar.
Há também entre os estudantes quem defenda que se está a perder uma oportunidade para acabar, em definitivo, com os exames nacionais. “Somos ensinados para responder ao exame nacional e isso não vai mudar com o novo modelo”, afirma Catarina Menor, estudante do 12.º ano da Escola Secundária de Casquilhos, no Barreiro, e dirigente do movimento Voz do Estudante.
“É muito injusto que uma prova de três horas possa condicionar o trabalho de três anos”, concorda Maria Gomes, da direcção da associação de estudantes da Escola Secundário Camilo Castelo Branco, em Vila Real, para quem a proposta do Governo, que prevê que as notas das provas do ensino secundário passem a valer pelo menos metade da nota de ingresso no ensino superior “vai acentuar” essa dimensão.
Até ao momento, ainda não foi possível obter uma reacção por parte da Confederação Nacional das Associações de Pais, que também esteve presente nas reuniões das últimas semanas com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES).
A Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) não foi auscultada pelo Governo, ao contrário do que seria “razoável”, avalia o seu director executivo, Rodrigo Queiroz e Melo. Ainda assim, os colégios privados estão “de acordo” com a decisão do Governo de acabar com o papel dos exames nacionais na conclusão do ensino secundário. “Como educadores agrada-nos, porque vai permitir que não estejamos tão focados nos exames.”
A Aeep lamenta, porém, que não seja mantida “alguma forma de regulação externa” no ensino secundário, como provas de aferição, que permitam dar às escolas informação importante sobre o desempenho dos seus alunos e sobre os seus próprios projectos educativos.
Mais provas, menos alunos?
Ainda que as principais medidas abranjam o concurso de acesso às universidades e politécnicos públicos, a proposta que está em cima da mesa merece elogios das universidades privadas. O presidente da Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), Almeida Dias, considera “a melhor solução” manter um modelo de ingresso semelhante ao que tem vigorado desde a década de 1990. “Qualquer modelo está sujeito a críticas, mas este já merece a confiança do público”, valoriza.
A APESP também “não vê problemas” na solução encontrada para o número de exames nacionais a realizar – cada aluno terá, no mínimo, de fazer três, incluindo Português, a disciplina trienal e uma específica –, como medida “para garantir a qualidade daqueles que acedem” ao ensino superior.
No entanto, alerta para o facto de que “há um efeito colateral” dessa solução “que é dificultar o acesso” de mais alunos ao ensino superior. O modelo dos últimos três anos, em que os alunos tiveram apenas de fazer as provas específicas para ingresso numa licenciatura, coincidiu com três anos de recordes no número de colocados no concurso nacional de acesso, sempre acima dos 50 mil novos estuantes.
Maiores dificuldades na entrada no ensino superior podem “pôr em causa” as metas de qualificação da população com que o Governo português se comprometeu no Plano de Recuperação e Resiliência e no Horizonte 2030, avisa a APESP.
Este era também um dos aspectos apontados no parecer enviado, no início desta semana, ao MCTES pelo Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. O modelo que vigorou nos últimos três anos “tem-se revelado eficaz no que concerne ao aumento das coortes de estudantes que anualmente ingressam pela via do concurso nacional de acesso, contribuindo desta forma para a qualificação dos portugueses e para o cumprimento das metas definidas pelo nosso país neste campo”, alertavam os presidentes dos politécnicos. A proposta do Governo “acabará por produzir um efeito contrário”. “Quantas mais provas forem exigidas, menor será o número de candidatos”, prevêem.