São cavacas, senhores, e estão prestes a voar do alto da capela

Em Aveiro, por devoção a São Gonçalinho, serão atiradas oito toneladas de cavacas. É o regresso da tradição à normalidade, depois das contenções da pandemia. Novo ‘detalhe’: estão 40% mais caras.

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As cavacas estão prontas para o seu voo de São Gonçalinho,As cavacas estão prontas para o seu voo de São Gonçalinho Paulo Pimenta,Paulo Pimenta
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Ana Paula Tavares é mestre das cavacas em Nobrijo Paulo Pimenta
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Ana Paula Tavares é mestre das cavacas em Nobrijo Paulo Pimenta

A pouco mais de uma semana do início da festa de São Gonçalinho, em Aveiro, Ana Paula Tavares já não tinha mãos a medir para as encomendas. As cavacas não paravam de entrar e sair do forno, antes de levarem a cobertura de claras de ovo e açúcar que lhes dá o sabor doce. Se assim não fosse, seria “um simples pão, com farinha, ovos e sal”, explica a pasteleira, reparando que a tradição assumida pelos aveirenses - de atirar cavacas para a multidão - pretende, precisamente, evocar “o pão que São Gonçalo atirava para alimentar os leprosos”. Num dos cantos da parede, estavam amontoados mais de 40 sacos de cavacas, mas daquela pequena unidade de produção situada em Nobrijo, na freguesia da Branca, Albergaria-a-Velha, tinham já saído meia centena de sacos com cinco quilos cada, na certeza de que a azáfama estava longe de terminar.

Até ao dia consagrado a São Gonçalo (10 de Janeiro), Ana Paula, de 56 anos, juntamente com Sandra Mortágua e Vânia Sousa, as suas ajudantes, decidam-se afincadamente à produção deste doce tradicional e de textura rija. Já houve anos mais intensos, conta-nos, a propósito desses tempos em que tinha de assegurar a encomenda feita pela própria organização da festa, a Mordomia de São Gonçalinho. “Cheguei a fazer à volta das dez toneladas”, contabiliza. Um problema de saúde obrigou-a reduzir o ritmo de trabalho, mas sem parar. Ana Paula Tavares é uma apaixonada pela profissão que herdou dos pais. “Comecei aos 15, 16 anos, não só a fazer cavacas, mas também as regueifas e o pão doce”, testemunha, antes de anunciar, com orgulho, que cresceu em Albergaria-a-Nova, terra com fortes tradições no fabrico de pão. “Era casa sim, casa não”, afiança, ao mesmo tempo que tira mais uma fornada de cavacas.

O processo parece simples. Depois de amassada a farinha, os ovos e o sal, Ana Paula vai cortando pequenos pedaços de massa, estendendo-os num tabuleiro. “Vai para o forno uma meia hora e, depois, vai a um outro forno a tostar. A cavaca tem de estar tostada para a cobertura de claras e açúcar secar bem”, desvenda. E é precisamente este último passo o que requer um pouco mais de tempo. “Têm de secar ao natural e leva umas dez horas”, acrescenta a doceira, que já chegou a sentir calafrios ao ver tantas horas de trabalho serem, literalmente, atiradas ao chão. “Faço o meu trabalho com muito amor e, às vezes, dói ver as cavacas serem atiradas. Mas, por outro lado, penso que é por uma boa causa, para as pessoas cumprirem as suas promessas”, confessa. “Além do mais, a maioria das cavacas são apanhadas e comidas”, acrescenta.

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Em Nobrijo, na freguesia da Branca, Albergaria-a-Velha, Ana Paula Tavares repete a arte da cavaca paulo pimenta

Muito embora produza cavacas - juntamente com bolos de gema, raivas, regueifas e pão de deus, entre outros doces - para outras festividades e romarias da região, nada se compara, em termos de quantidades, ao São Gonçalinho. “Nas outras festas, as pessoas compram as cavacas apenas para comer. Em Aveiro, é para atirar e comer”, nota, antes de se confessar, ela própria, uma devota do santo padroeiro do bairro típico da Beira-Mar. “Vou sempre à festa no dia 10, dia do santo, atirar as minhas cavacas”, revela, a propósito do ritual que vem cumprindo desde que a filha “era pequenina”.

Actualmente, tem 21 anos, é formada em gestão de recursos humanos, ajuda-a no posto de venda que Ana Paula tem no Mercado da Costa Nova, em Ílhavo, e acompanha-a na subida ao alto da capela, enfrentando as habituais filas. Vale tudo pela devoção ao santo que os aveirenses fazem questão de tratar pelo diminutivo e ao qual atribuem o poder de curar de doenças ósseas e a capacidade de resolver problemas conjugais e amorosos.

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Ana Paula Tavares. mestre das cavacas em Nobrijo paulo pimenta

O regresso à normalidade e o impacto da inflação

Este ano, as expectativas são grandes em relação aos festejos. Depois de mais de dois anos de pandemia, com a edição de 2021 limitada às celebrações religiosas e a de 2022 sujeita a várias regras, é tempo de regressar à normalidade. Com enchentes no largo da capela, no recinto dos concertos - que, devido às obras em curso no Rossio, foi este ano transferido para o Canal de São Roque - e nas ruas e ruelas do bairro típico da Beira-Mar, para gáudio dos devotos e também dos mordomos.

“Como somos eleitos por dois anos, esta mordomia ia terminar o mandato sem conseguir organizar uma festa em condições normais”, enquadra Bruno Tocha, juiz da festa, fundamentando a decisão de dar mais 12 meses ao grupo de trabalho que ainda não tinha conseguido “organizar uma festa como deve ser”. “Estávamos todos com um sentimento de não-realização”, justifica.

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Ana Paula Tavares é mestre das cavacas em Nobrijo paulo pimenta
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As cavacas de Ana Paula Tavares, Nobrijo paulo pimenta
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As cavacas de Ana Paula Tavares, Nobrijo paulo pimenta

Durante todo o fim-de-semana de 7 e 8 de Janeiro, assim como segunda e terça-feira, há muito para ver e ouvir à volta da capela do padroeiro do bairro da Beira-Mar, com destaque para a tradição das cavacas, cujo lançamento acontece ao longo de todos os dias de festa. Este ano, e ainda que sejam esperados mais visitantes no bairro, a mordomia perspectiva que sejam lançadas cerca de oito toneladas, número ligeiramente inferior ao dos anos anteriores à pandemia.

“Com o aumento dos preços das matérias-primas, as cavacas também ficaram mais caras, cerca de 40%, e notamos que começa a haver alguma contenção. Por exemplo, quem atirava dois sacos, só vai atirar um”, declara Bruno Tocha.

E ainda que possam “chover” menos cavacas do alto da capela de São Gonçalinho, a animação está mais do que garantida com as arruadas diárias, os concertos dos Taxi (sábado, 7, 22h) e do Rouxinol Faduncho (segunda-feira, 9, 22h), entre outros, assim como os tradicionais espectáculos de fogo-de-artifício (sábado, domingo e segunda-feira). Referência, ainda, para outros rituais tradicionais da festa, como é o caso da entrega do ramo e a Dança dos Mancos, além das celebrações religiosas.

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