Marcelo envia eutanásia para Tribunal Constitucional
“Uma indefinição conceptual não pode manter-se numa matéria com esta sensibilidade, em que se exige a maior certeza jurídica possível”, escreve o Presidente da República no requerimento ao TC.
O Presidente da República não esperou mais do que um par de horas após a reclamação de o Chega ter sido chumbada em plenário para concretizar a decisão de enviar o diploma da eutanásia para o Tribunal Constitucional (TC).
“Tendo presente que, em 2021, o Tribunal Constitucional formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre morte medicamente assistida – que considerou inconstitucional — e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República, o Presidente da República requereu a fiscalização preventiva” do diploma acabado de receber, “para assegurar que ele corresponde às exigências formuladas em 2021”, escreve o chefe de Estado na nota publicada no sítio da Presidência.
O fundamento do pedido volta a ser a apreciação de conceitos excessivamente indeterminados, como aconteceu em 2021. “Uma indefinição conceptual não pode manter-se, numa matéria com esta sensibilidade”, escreve. Em concreto, Marcelo Rebelo de Sousa pede a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas onde se define “doença grave e incurável” e outras, “por violação do princípio de determinabilidade da lei enquanto corolário dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar”, considerando ainda que avaliação do TC deve ter em conta “a inviolabilidade da vida humana consagrada no artigo 24.º, n.º 1” da Constituição.
Em declarações aos jornalistas no Palácio de Belém, o Presidente da República justificou a sua decisão com “uma questão de certeza de direito”. Se vier a ser promulgada, a lei “vai ser aplicada por vários tribunais” e, nesse sentido, terá de haver “certeza”, disse.
“O argumento único é saber se o Tribunal Constitucional considera que, na última formulação [do diploma], estão preenchidas as exigências de densificação dos conceitos”, afirmou. Depois do veto presidencial, em Novembro do ano passado, a Assembleia da República retirou a expressão “doença fatal” do diploma. “Escolheu a versão mais ampla, mais liberal da morte medicamente assistida”, apontou Marcelo.
O Presidente esclareceu ainda que não acolheu os pedidos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, que alegavam inconstitucionalidade por não terem sido ouvidas previamente à aprovação do diploma, por considerar que “a orientação do Tribunal Constitucional em casos paralelos é a de que não há obrigação de ouvir as regiões autónomas porque é matéria nacional”.
Por outro lado, Marcelo reconheceu que “há serviços regionais autónomos do SNS” e que o diploma é omisso quanto a esse aspecto, mas considerou que a situação era “resolúvel na regulamentação da lei”.
Questionado sobre o timing do envio para o TC, que coincidiu com a tomada de posse dos novos membros do Governo, o chefe de Estado referiu ter recebido o decreto “à tarde”, depois de a reclamação do Chega ter sido chumbada no plenário da Assembleia da República e que “foi logo a seguir” que enviou as cartas para o TC e para os presidentes das assembleias das regiões autónomas.
As dúvidas de Marcelo
No requerimento enviado ao TC, o Presidente da República recorda o historial do diploma, em particular o “chumbo” dos juízes em 2021 ao texto então aprovado por conter conceitos “excessivamente indeterminados”, como o da lesão definitiva de gravidade extrema que justificaria a morte medicamente assistida, assim como o seu veto político ao diploma reformulado meses depois, por considerar que a nova versão da lei alarga o leque das situações abrangidas pela morte medicamente assistida.
O último texto, aprovado em 9 de Dezembro no Parlamento, pretendia “sanar as contradições apontadas à versão anterior, optando por um regime menos restritivo no tocante à morte medicamente assistida não punível, ao suprimir a existência de doença fatal e a alusão a ‘antecipação da morte’”, contextualiza o chefe de Estado.
Ora, o problema agora é que, na perspectiva de Marcelo Rebelo de Sousa, “a situação relativa à gravidade da doença legitimadora da morte medicamente assistida não punível passou a ser a de ‘doença grave e incurável’, definida como ‘doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade’”.
“A dúvida que se pode suscitar é a de saber se esta nova definição, e, em particular, a alusão a ‘grande intensidade’ é de molde a corresponder à densificação e determinabilidade exigida pelo antes aludido Acórdão do Tribunal Constitucional, tendo em consideração a supressão do requisito da ‘doença fatal’ e da alusão à ‘antecipação da morte’”, elabora.
Por outro lado, considera que “parece que a exigência de verificação de situação de sofrimento de grande intensidade ocorre tanto quando exista lesão definitiva de gravidade extrema, como nos casos de doença grave e incurável”, uma vez que, “quando se define ‘lesão definitiva de gravidade extrema’, não se refere o sofrimento de grande intensidade.
“É neste contexto que se afigura essencial que o Tribunal Constitucional se pronuncie quanto à questão de saber se, no quadro da opção fundamental ora assumida, o legislador cumpriu as obrigações de densificação e determinabilidade da lei, antes exigidas, ademais numa questão central em matéria de direitos, liberdade e garantias”, sublinha.
Notícia actualizada às 19h45 com declarações do Presidente da República