Conselhos a uma ministra jovem

O excedente em casas vazias é superior a 700.000 alojamentos. A mobilização de uma pequena parte deste excedente, em condições devidamente reguladas, permitiria multiplicar a habitação disponível.

A criação do Ministério da Habitação, sem mais palavras na designação, é uma inovação relevante, que finalmente traduz na orgânica do Governo a centralidade da política pública de habitação. Foram precisos 49 anos para chegar aqui (e só em 11 deles é que houve um ministério com essa palavra no nome). É também a primeira vez que esta pasta ministerial é entregue, e bem, a uma mulher. Melhor ainda, a uma mulher jovem, que pode trazer consigo a energia que faz falta.

A escolha de Marina Gonçalves permite-nos confiar na vontade de cumprir as metas consagradas no programa do Governo nesta matéria. A habitação irá mobilizar até 2026 mais de 2600 milhões de euros do PRR (dos quais 1600 a fundo perdido), apontando-se para um total de cerca de 33.000 fogos públicos a disponibilizar. É um esforço enorme, quando Portugal tinha em 2021, segundo os censos, pouco mais de 123.000 fogos públicos.

Não basta, porém, despejar dinheiro para cima dos problemas, é preciso garantir que o dinheiro é bem gasto e bem escrutinado. Há uma multiplicidade de atores públicos envolvidos, desde logo os 233 municípios com estratégias de habitação já aprovadas, [1] o IHRU e demais agentes do sector. Não vai ser fácil coordenar toda esta mobilização e muito menos garantir a necessária transparência e fiscalização. É nas assembleias municipais que reside o poder de fiscalizar os executivos camarários, missão que poucas podem desempenhar por absoluta desproporção entre as suas condições de atuação e as responsabilidades que lhes cabem. É um imperativo democrático que a comunicação social, o Parlamento, as universidades, as associações do sector, as redes ativistas e os cidadãos em geral redobrem a sua vigilância.

Mas nem o investimento público é o único instrumento a ter em conta, nem os 33.000 fogos públicos que se pretende obter chegam para prover habitação condigna a todas as pessoas e famílias. Em 1974 havia no nosso país mais famílias do que casas, estimando-se na altura a falta de mais de meio milhão de fogos. Hoje a situação inverteu-se – há muito mais casas do que famílias. O excedente em casas vazias, excluindo naturalmente as residências secundárias, é superior a 700.000 alojamentos. A mobilização de uma pequena parte deste excedente, em condições devidamente reguladas, permitiria multiplicar a habitação disponível. É altura de pedir à academia e aos poderes públicos que promovam o estudo aprofundado das razões para um tão grande e inaceitável desperdício de recursos habitacionais.

A lei de bases da habitação consagrou os quatro grandes instrumentos que constituem a “mala de ferramentas” de qualquer política de habitação: o investimento em habitação pública, as políticas fiscais, a subsidiação e a regulação. É na falta de regulação dos fogos vazios que se encontra, ainda hoje, uma das maiores fragilidades das nossas políticas de habitação. As causas são múltiplas, desde a falta de manutenção e a paralisia por heranças litigiosas até à concentração patrimonial em fundos imobiliários especulativos ou no sector financeiro. Combater a desigualdade habitacional passa por uma estratégia nacional para enfrentar o escândalo desta massa enorme de fogos devolutos.

Há um longo e difícil caminho a percorrer pelo novo ministério e é pesada a responsabilidade de Marina Gonçalves e da sua equipa. Como mulher e como cidadã, quero desejar-lhe força e ânimo. Os resultados não serão imediatos, mas a confiança constrói-se desde o primeiro dia. Terá consigo todos os cidadãos de boa vontade.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico


[1] Eram 150 em abril deste ano, segundo o Programa do Governo

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