Antes de mais, feliz Ano Novo. Para quem está a chegar agora à crónica Longe da Árvore, uma rápida apresentação: aqui falamos sobre parentalidade atípica, ou seja, sobre a experiência de cuidar de crianças e jovens tocados pela diferença. Também nos debruçamos sobre a representação da deficiência e da alteridade em filmes, livros e séries.
2022 foi um ano de grandes adaptações na nossa família. Adaptar é um verbo-chave para qualquer mãe atípica. Esta flexibilidade implica aprendizagens que, muitas vezes, são clarificações de coisas que já sabíamos. Ou que já deveríamos saber. Fiz o exercício de olhar pelo retrovisor; os cinco parágrafos abaixo reflectem algumas das imagens que se tornaram nítidas para mim ao longo dos últimos 12 meses.
Não há régua para dividir atenção
Um dos maiores desafios de uma mãe é equilibrar a atenção dispensada aos filhos. Se um tiver deficiência e o outro não, a tarefa passa a ser hercúlea. Tento recorrer ao princípio da equidade: o filho que mais precisa, num dado momento, deve ser o que mais recebe. Mas ainda não inventaram uma ciência exacta para garantir uma divisão justa.
Passamos os dias a virar ampulhetas, a distribuir o bem-querer sem réguas ou balanças, medindo sempre a olho. Haverá dias em que a criança que tem desenvolvimento típico terá um desafio e absorverá a maior parte da atenção disponível. Noutros, será a criança com deficiência o centro das atenções, porque precisa de ser mais estimulada ou apoiada. A divisão nunca será perfeita e, vezes sem conta, haverá uma dupla carência quase irresolúvel.
As associações são um esteio
Várias associações dão às famílias portuguesas respostas que os serviços públicos não conseguem oferecer. Peguemos os exemplos dos campos de férias. Uma criança ou jovem em idade escolar tem cerca de três meses de pausa lectiva por ano, mas os cuidadores com um emprego formal têm apenas 22 úteis de férias. Quando se começa a procurar actividades para os tempos livres, muitas portas se fecham se a criança tiver alguma deficiência. “Não temos vagas.” “Não estamos preparados para receber o seu filho.” “Não podemos aceitar a sua inscrição.”
Os programas inclusivos são quase sempre aqueles que têm a iniciativa (ou o apoio) de entidades sem fins lucrativos. Sem estruturas como a Associação de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) ou a Associação de Desporto Adaptado do Porto (ADADA), muitos agregados estariam ainda mais vulneráveis.
A pouca oferta destes serviços não só priva as crianças com deficiência de actividades de lazer, mas também limita a empregabilidade dos cuidadores. Vale a pena prestigiar o trabalho inestimável de uma destas associações na hora de preencher o IRS dentro de alguns meses.
Valorizar a escola e a saúde pública
Vivi os últimos anos num país incrível, a Suíça, mas onde não há um serviço nacional de saúde e onde escasseiam escolas públicas inclusivas. Aprendi a valorizar aquilo que antes achava normal. Espero que 2023 traga à rede pública de ensino e saúde mais recursos e reconhecimento.
Mudanças súbitas podem ser boas
Gosto de planear. Faço listas. Envio e-mails para mim mesma com lembretes no campo do assunto. Crio alarmes no telemóvel. Estas estratégias garantem uma sensação de controlo e produtividade. O facto de apreciar o planeamento não significa que não abrace a mudança. Gosto de mudar, mas gosto ainda mais de planear a mudança. Este ano fui confrontada com a necessidade de fazer mudanças súbitas. Terapeutas, ajudantes e cuidadores saíram de repente das nossas vidas. E, após uma agitação inicial, que implica sempre esforço e adaptação, houve espaço para boas surpresas.
Não controlamos tudo
Deixei de ser jornalista freelancer em 2022, o que exigiu alguma reorganização da vida familiar. Para que tudo funcione bem, as peças têm de estar bem encaixadas. Se uma roda dentada emperra de repente — uma gripe forte, a ausência súbita de uma cuidadora, uma greve (legítima) de professores —, as coisas ganham outro ritmo. Não controlamos tudo (e isto explica alguns hiatos na publicação desta crónica). A experiência colectiva de uma pandemia, seguida de uma guerra, já deveria ter nos ensinado isso mesmo: a acomodar no próprio planeamento espaço para imprevistos.