Líder da oposição da Bolívia detido e acusado de “terrorismo”

Apoiantes do ex-candidato presidencial acusam Governo socialista de “sequestro” e protestam em Santa Cruz, cidade onde Luis Fernando Camacho exerce o cargo de governador.

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Luis Fernando Camacho, governador de Santa Cruz, foi derrotado pelo actual Presidente nas eleições de 2020 Reuters/MARCO BELLO
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Manifestantes incendiaram carros e edifícios públicos em Santa Cruz,Manifestantes incendiaram carros e edifícios públicos em Santa Cruz EPA/Juan Carlos Torrejon,EPA/Juan Carlos Torrejon
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Confrontos entre apoiantes de Camacho e a polícia de Santa Cruz EPA/Juan Carlos Torrejon
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Protesto contra Camacho em La Paz, capital da Bolívia Reuters/CLAUDIA MORALES

Luis Fernando Camacho, antigo candidato presidencial e um dos líderes da oposição ao Movimento para o Socialismo (MAS), na Bolívia, foi detido na quinta-feira, em Santa Cruz de la Sierra, acusado de “terrorismo” e de envolvimento no processo que levou à destituição do ex-Presidente Evo Morales e à autoproclamação da então senadora Jeanine Áñez como chefe de Estado, em 2019. A esquerda boliviana descreve o processo como um “golpe”.

A detenção de Camacho foi catalogada pelos seus apoiantes como um “sequestro” com “motivações políticas” e originou protestos violentos durante a noite nas ruas de Santa Cruz, cidade localizada na região Sudeste da Bolívia, onde o político conservador exerce o cargo de governador.

Segundo o jornal local El Deber, houve bloqueios de estradas e confrontos em frente à sede do Comando Departamental da Polícia de Santa Cruz. Foram ainda incendiados edifícios públicos, veículos e a casa do ministro das Obras Públicas, Edgar Montaño.

Para além disso, os manifestantes invadiram as pistas de aterragem e de descolagem dos aeroportos de Viru Viru e de El Trompillo e chegaram a entrar nos aviões que estavam preparados para levantar voo, à procura de Camacho entre os passageiros.

A imprensa estatal também deu conta de protestos contra Camacho em La Paz, capital do país.

O governador e líder da coligação conservadora e católica Creemos – derrotado nas eleições de 2020 pelo actual Presidente, Luis Arce – foi detido pela polícia na quinta-feira à tarde e transferido para La Paz, a mais de 900 quilómetros de distância.

“Denunciamos perante o povo cruceño [de Santa Cruz], o povo boliviano e a comunidade internacional que o governador de Santa Cruz foi sequestrado, numa operação policial absolutamente irregular, e levado para um paradeiro desconhecido”, acusou o governo de Santa Cruz, num comunicado partilhado nas redes sociais.

“Responsabilizamos o Governo do Presidente Luis Arce pela integridade física e pela vida do governador de Santa Cruz”, acrescentou.

Pouco depois, a Procuradoria-Geral do Estado boliviano emitiu uma nota a dar conta de que Luis Fernando Camacho tinha sido detido no âmbito da investigação Golpe de Estado I e, rejeitando as denúncias de “sequestro”, lembrou que as acusações de “terrorismo” já tinham sido endereçadas em Outubro.

“Esta decisão judicial não se trata de um sequestro ou de perseguição política; pelo contrário, foi emitida no mês de Outubro da actual gestão e conta com o controlo jurisdicional do Décimo Juiz de Instrução do Tribunal Penal Departamental de Justiça de La Paz”, lê-se no documento, citado pela agência noticiosa Europa Press.

“Golpe de Estado”

Depois de Jeanine Áñez, Luis Fernando Camacho é a segunda figura política mais importante a ser presa pelas autoridades no âmbito das investigações ao processo que levou à destituição de Morales, que a oposição diz tratar-se de um processo político e não judicial.

Detida preventivamente em Março do ano passado, Áñez foi condenada em Junho desde ano a dez anos de prisão, por envolvimento num “golpe de Estado” – pelo que o governador arrisca uma sentença semelhante, se for declarado culpado.

“Não tenho medo na prisão da ditadura”, afiançou, porém, Camacho, no Twitter. “Hoje fui sequestrado pela justiça do MAS. A minha única culpa é ter defendido a democracia e, junto a todo o povo unido, ter travado a fraude”.

Quem também recorreu às redes sociais para reagir à detenção de Camacho foi Evo Morales. O histórico dirigente socialista e primeiro Presidente indígena do país andino publicou uma mensagem no Twitter a congratular-se com a operação policial.

“Finalmente, ao fim de três anos, Luis Fernando Camacho vai responder pelo golpe de Estado que derivou em roubos, perseguições, detenções e massacres por parte do Governo de facto. Confiamos que esta decisão se sustentará com a firmeza que o clamor de justiça do povo exige”, declarou.

A saída de Morales da presidência, em 2019, ao fim de quase 15 anos no poder, ocorreu em circunstâncias muito controversas, que têm leituras diferentes consoante o lado da barricada em que as partes, dentro ou fora da Bolívia, se posicionam.

Apesar de a população ter chumbado, em 2016, em referendo, uma proposta sua para abolir o limite de três mandatos presidenciais previstos na Constituição, Morales avançou à mesma com uma candidatura a um quarto mandato presidencial, concorrendo contra o antigo Presidente Carlos Mesa.

Após um processo de contagem de votos muito atribulado – a contagem foi suspensa quando os resultados sugeriam uma segunda volta – Morales e o MAS foram declarados vencedores pelas autoridades eleitorais.

A controvérsia indignou, no entanto, a oposição, que acusou o MAS de manipulação dos resultados e as ruas das principais cidades da Bolívia viraram palco de motins e de confrontos entre apoiantes do Governo e da oposição.

A autoproclamação de Áñez, vice-presidente do Senado, como chefe de Estado, somada ao apoio que recebeu das Forças Armadas e às investigações judiciais entretanto abertas contra Morales e outros membros do MAS, por crimes tão díspares como sedição, terrorismo, pedofilia ou crimes contra a humanidade, forçaram o líder socialista a sair do país e a exilar-se no México e, mais tarde, na Argentina.

A vitória de Luis Arce – ministro das Finanças de Morales – nas eleições presidenciais do ano seguinte, contra Luis Fernando Camacho, pôs o MAS de novo no poder e permitiu o regresso de Evo ao país.

Meses depois, e após denúncia do novo Governo, foram abertos processos judiciais contra os líderes políticos e militares que assumiram brevemente o poder na Bolívia, entre 2019 e 2020.

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