Líder da oposição da Bolívia detido e acusado de “terrorismo”
Apoiantes do ex-candidato presidencial acusam Governo socialista de “sequestro” e protestam em Santa Cruz, cidade onde Luis Fernando Camacho exerce o cargo de governador.
Luis Fernando Camacho, antigo candidato presidencial e um dos líderes da oposição ao Movimento para o Socialismo (MAS), na Bolívia, foi detido na quinta-feira, em Santa Cruz de la Sierra, acusado de “terrorismo” e de envolvimento no processo que levou à destituição do ex-Presidente Evo Morales e à autoproclamação da então senadora Jeanine Áñez como chefe de Estado, em 2019. A esquerda boliviana descreve o processo como um “golpe”.
A detenção de Camacho foi catalogada pelos seus apoiantes como um “sequestro” com “motivações políticas” e originou protestos violentos durante a noite nas ruas de Santa Cruz, cidade localizada na região Sudeste da Bolívia, onde o político conservador exerce o cargo de governador.
Segundo o jornal local El Deber, houve bloqueios de estradas e confrontos em frente à sede do Comando Departamental da Polícia de Santa Cruz. Foram ainda incendiados edifícios públicos, veículos e a casa do ministro das Obras Públicas, Edgar Montaño.
Para além disso, os manifestantes invadiram as pistas de aterragem e de descolagem dos aeroportos de Viru Viru e de El Trompillo e chegaram a entrar nos aviões que estavam preparados para levantar voo, à procura de Camacho entre os passageiros.
A imprensa estatal também deu conta de protestos contra Camacho em La Paz, capital do país.
O governador e líder da coligação conservadora e católica Creemos – derrotado nas eleições de 2020 pelo actual Presidente, Luis Arce – foi detido pela polícia na quinta-feira à tarde e transferido para La Paz, a mais de 900 quilómetros de distância.
Llamas en el edificio exConaltid (Avenida San Aurelio y 2do Anillo). Los bomberos tratan de ingresar al recinto para sofocar el fuego pero no les permite acceder al mismo por un bloqueo instalado en la avenida |Video: Jorge Gutiérrez #ElDeber pic.twitter.com/sTdnv6Zw1W
— EL DEBER (@grupoeldeber) December 29, 2022
“Denunciamos perante o povo cruceño [de Santa Cruz], o povo boliviano e a comunidade internacional que o governador de Santa Cruz foi sequestrado, numa operação policial absolutamente irregular, e levado para um paradeiro desconhecido”, acusou o governo de Santa Cruz, num comunicado partilhado nas redes sociais.
“Responsabilizamos o Governo do Presidente Luis Arce pela integridade física e pela vida do governador de Santa Cruz”, acrescentou.
Pouco depois, a Procuradoria-Geral do Estado boliviano emitiu uma nota a dar conta de que Luis Fernando Camacho tinha sido detido no âmbito da investigação Golpe de Estado I e, rejeitando as denúncias de “sequestro”, lembrou que as acusações de “terrorismo” já tinham sido endereçadas em Outubro.
“Esta decisão judicial não se trata de um sequestro ou de perseguição política; pelo contrário, foi emitida no mês de Outubro da actual gestão e conta com o controlo jurisdicional do Décimo Juiz de Instrução do Tribunal Penal Departamental de Justiça de La Paz”, lê-se no documento, citado pela agência noticiosa Europa Press.
“Golpe de Estado”
Depois de Jeanine Áñez, Luis Fernando Camacho é a segunda figura política mais importante a ser presa pelas autoridades no âmbito das investigações ao processo que levou à destituição de Morales, que a oposição diz tratar-se de um processo político e não judicial.
Detida preventivamente em Março do ano passado, Áñez foi condenada em Junho desde ano a dez anos de prisão, por envolvimento num “golpe de Estado” – pelo que o governador arrisca uma sentença semelhante, se for declarado culpado.
“Não tenho medo na prisão da ditadura”, afiançou, porém, Camacho, no Twitter. “Hoje fui sequestrado pela justiça do MAS. A minha única culpa é ter defendido a democracia e, junto a todo o povo unido, ter travado a fraude”.
No tengo miedo a la cárcel de la dictadura. Siempre defenderé a Santa Cruz y a Bolivia, defenderé la democracia y defenderé el camino federal. ¡Adelante Santa Cruz! pic.twitter.com/tvTfHWppUF
— Luis Fernando Camacho (@LuisFerCamachoV) December 29, 2022
Quem também recorreu às redes sociais para reagir à detenção de Camacho foi Evo Morales. O histórico dirigente socialista e primeiro Presidente indígena do país andino publicou uma mensagem no Twitter a congratular-se com a operação policial.
“Finalmente, ao fim de três anos, Luis Fernando Camacho vai responder pelo golpe de Estado que derivou em roubos, perseguições, detenções e massacres por parte do Governo de facto. Confiamos que esta decisão se sustentará com a firmeza que o clamor de justiça do povo exige”, declarou.
A saída de Morales da presidência, em 2019, ao fim de quase 15 anos no poder, ocorreu em circunstâncias muito controversas, que têm leituras diferentes consoante o lado da barricada em que as partes, dentro ou fora da Bolívia, se posicionam.
Apesar de a população ter chumbado, em 2016, em referendo, uma proposta sua para abolir o limite de três mandatos presidenciais previstos na Constituição, Morales avançou à mesma com uma candidatura a um quarto mandato presidencial, concorrendo contra o antigo Presidente Carlos Mesa.
Após um processo de contagem de votos muito atribulado – a contagem foi suspensa quando os resultados sugeriam uma segunda volta – Morales e o MAS foram declarados vencedores pelas autoridades eleitorais.
A controvérsia indignou, no entanto, a oposição, que acusou o MAS de manipulação dos resultados e as ruas das principais cidades da Bolívia viraram palco de motins e de confrontos entre apoiantes do Governo e da oposição.
Finalmente después de 3 años, Luis Fernando Camacho responderá por el golpe de Estado que derivó en robos, persecuciones, detenciones y masacres del gobierno de facto. Confiamos en que esta decisión se sostendrá con la firmeza que demanda el clamor de justicia del pueblo.
— Evo Morales Ayma (@evoespueblo) December 29, 2022
A autoproclamação de Áñez, vice-presidente do Senado, como chefe de Estado, somada ao apoio que recebeu das Forças Armadas e às investigações judiciais entretanto abertas contra Morales e outros membros do MAS, por crimes tão díspares como sedição, terrorismo, pedofilia ou crimes contra a humanidade, forçaram o líder socialista a sair do país e a exilar-se no México e, mais tarde, na Argentina.
A vitória de Luis Arce – ministro das Finanças de Morales – nas eleições presidenciais do ano seguinte, contra Luis Fernando Camacho, pôs o MAS de novo no poder e permitiu o regresso de Evo ao país.
Meses depois, e após denúncia do novo Governo, foram abertos processos judiciais contra os líderes políticos e militares que assumiram brevemente o poder na Bolívia, entre 2019 e 2020.