Por que se semeia trigo em Cascais

Estou a borrifar-me, em sentido figurado e sem desrespeito por ninguém, para cores políticas ou clubísticas, credos, filiações, dependências ou independências. Quem quiser ajudar-me, contacte-me.

Foto
"Cascais promove fortemente as hortas comunitárias" DR

“O dizer mal espalha-se com mais facilidade do que a sarna.” Conheço a frase desde tenra idade e recordo-a amiúde. Dizer mal e mostrar o mau tornou-se no padrão. Unimo-nos no dizer mal. Dizer mal é um dos laços mais fortes das sociedades.

No caso dos jornalistas, classe a que pertenço há mais de 20 anos, destacar algo bem feito é meio caminho para ser conotado com determinada “cor”, “graxismo”, caça ao tacho ou benefício. Talvez seja por isso que assistimos nos noticiários televisivos, quase exclusivamente, a um desfile de coisas mal feitas, de coisas por começar, desenvolver e terminar, de desgraças, crimes e trafulhices.

Não acontece apenas na televisão. Há também alguns jornais, felizmente não todos, a sustentarem-se com o mau. É a vida, concordo, há que informar e denunciar. Mas a vida não é só incompetência, improdutividade, miséria, desgraça e vigarices. No entanto, o bom, o bem feito, a alegria e o sucesso mostram-se menos. Muito menos. Em proporção, quase nada. Quer isso dizer que está tudo mal à nossa volta? Que está tudo mal feito? Não acredito.

E se equilibrássemos a lógica, dando igual ênfase ao que está bem feito e ao que é positivo, aos méritos e conquistas, estipulando bitolas para melhorar o que é menos positivo? O “Livro do Elogio” funciona, creio, segundo essa lógica. Não se trata de ignorar o mau, mas de mostrar o bom e de o elogiar, o ânimo no aplauso versus a depressão do apupo.

Vai daí, comecei à procura de medidas e ações válidas e bem-feitas (é subjetivo, eu sei) para escrever sobre isso, se possível recolhendo depoimentos dos responsáveis.

À cabeça, lembrei-me dos protagonistas da administração local, cujo trabalho de proximidade com as populações influencia de forma direta a qualidade de vida das pessoas. É a minha ideia criticável? Claro, como todas. Nota: estou a borrifar-me, em sentido figurado e sem desrespeito por ninguém, para cores políticas ou clubísticas, credos, filiações, dependências ou independências. Quem quiser ajudar-me nesta tarefa, que considero cívica, contacte-me.

– Com a guerra na Ucrânia, toda a gente percebeu que o trigo é um bem escasso. No ano passado, já produzimos uma tonelada e este ano vamos produzir mais – explicou-me, de viva-voz, Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais.

– A quem se destina esse trigo? – questionei.

– A todas as instituições particulares de solidariedade social que, depois, fazem pão. A pensar nas que não o conseguem fazer, colocámos um padeiro na Malveira da Serra a fazer pão. Entretanto, já semeámos mais trigo, aproveitando os terrenos vagos. Por exemplo, junto à prisão do Linhó, que pertence a Cascais, há um terreno, que é em frente ao autódromo, que não é aproveitado por ninguém. Então, fizemos um acordo com a Direção Geral dos Serviços Prisionais e são os reclusos que estão a produzir o trigo. O nosso objetivo é passar para nove toneladas ano e depois dar o salto para 18 toneladas. Não é muito, mas já ajuda a alguma coisa.

– Como foram as reações a esta ideia?

– Está muito na moda que se tem de pensar fora da caixa. Agricultura em Cascais? Houve quem dissesse que eu estava maluco! Mas esquecem-se que há 150 anos, a agricultura tinha um peso muito grande em Cascais. Isto até começarem a descobrir que plantar tijolo dava mais rentabilidade do que plantar comida.

Além do trigo, e seguindo a lógica de aproveitar terras abandonadas, Cascais promove fortemente as hortas comunitárias. Alguns terrenos são da câmara, outros de proprietários privados com os quais a vereação chegou a acordo para exploração, cedendo depois espaços de cultivo aos munícipes. “As hortas comunitárias e urbanas já produzem um número significativo de hortícolas. Também há pomares, normalmente em terrenos municipais, e vinha, na qual apostámos recentemente”, detalha com orgulho o presidente da câmara.

Foto
A Quinta do Pisão é um exemplo DR

Além do investimento na produção de comida, a autarquia teve uma intervenção forte na recuperação das ribeiras. “Essa intervenção pretende mitigar os riscos de cheias, criar corredores ecológicos urbanos e zonas de lazer para as populações, é importante referir que, atualmente, 77% dos cascalenses têm um espaço verde num raio máximo de 400 metros, e recuperar registos ancestrais, pois antigamente era através das ribeiras que as populações se deslocavam”, explana Carlos Carreiras.

A oferta de transportes públicos gratuitos está disseminada por todo o concelho de Cascais e as pessoas utilizam-nos cada vez mais. E há histórias curiosas, como a de um número de cartão recordista de utilizações que pertencia a um senhor de idade que havia ficado viúvo recentemente e que costumava ficar fechado em casa a ver televisão. A dada altura, e uma vez que os transportes são gratuitos, começou a andar de autocarro todos os dias e para todo o lado. Conversava com os motoristas dos autocarros e com outras pessoas com as quais fez amizade durante as suas viagens. Ou seja, a facilidade na mobilidade ajudou-o, segundo palavras do próprio, a lidar com a solidão, bem como a conhecer coisas ao vivo que só conhecia pela televisão.

Populismo? É uma forma de ver a coisa. Serviço público? É outra.

– E o que lamenta não ter feito desde que é presidente da Câmara de Cascais? – perguntei, para encerrar.

– Isso é muita coisa… Nunca se esgota o que há para fazer. Mas acho que o que foi menos conseguido nestes mandatos foi a atração de investimento, captação de empresas e criação de empregos. As pessoas pensam muito em Oeiras para trabalhar e Cascais para viver, mas não tem de ser necessariamente assim.

“É mais fácil maldizer dos homens do que instruí-los e melhorá-los”, elaborou numa ocasião o Marquês de Maricá (1773-1848), escritor, filósofo e político brasileiro.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Ler 4 comentários