O basquetebolista Ivan Almeida, que denunciou, neste ano, atitudes racistas de adeptos, assume-se como um lutador dentro e fora do campo e considera que as figuras públicas têm a obrigação de falar por aqueles que não têm voz.
“No deporto, temos essa voz, porque somos seguidos por muitas pessoas, e podemos dar voz às pessoas que não conseguem falar”, diz o jogador da Selecção de Basquetebol de Cabo Verde e actualmente no Sport Lisboa e Benfica (SLB), em entrevista à agência Lusa.
Foi o que fez em Junho quando, nos jogos da Final da Liga Portuguesa entre o Benfica e o FC Porto, que se realizaram na Invicta, ouviu insultos racistas, erguendo o dedo junto à cara, a mandar calar os que o ofendiam, com a bandeira de Cabo Verde às costas.
“Já tinha sofrido vários ensaios racistas no jogo três e no jogo quatro também. E aquele [gesto] foi para calar os racistas e apontando a bandeira [de Cabo Verde], de onde venho”, diz, lamentando que essa atitude tenha sido interpretada como para mandar calar os adeptos.
“Era para calar os racistas”, reitera o luso-cabo-verdiano, indicando que “muita gente ficou abalada com isso”.
Sobre as atitudes que se seguiram, ou não, disse esperar ainda que a Federação Portuguesa de Basquetebol se pronuncie, tal como o Benfica o fez e até o director desportivo do Porto, segundo o qual essas palavras racistas e xenófobas foram no “calor do momento”. O atleta responde: “Não há calor do momento que justifique isso.”
A situação foi repudiada pela Federação Cabo-verdiana de Basquetebol, que manifestou de imediato a sua “solidariedade e apoio inabalável” ao jogador.
Ivan Almeida, que nasceu em Cabo Verde, viveu em França e nos EUA e jogou em vários outros países, diz que foi a primeira vez que sofreu estas ofensas e defende que estas não fiquem sem uma resposta e, naturalmente, sem a punição de quem as pratica.
“Este é um país onde temos escoltas policiais, temos polícias no campo. Em todos os países onde joguei não era preciso isso, há um civismo; quando se vai ver um jogo de basquetebol, é um jogo de espectáculo, um jogo de entretenimento”, refere.
E acrescenta: “[Em Portugal] somos escoltados. Ainda nesta época, fui agredido por um objecto que veio da bancada do Porto e até hoje a Federação [Portuguesa de Basquetebol] não disse nada acerca do assunto, não me ligaram para perguntar ou fazer uma investigação.”
O atleta defende leis que efectivamente punam as pessoas que praticam estes insultos. “Se eu estiver no campo e virar-me para a bancada e começar a mandar nomes, sou expulso e ainda tenho castigo. Mas o inverso não acontece.”
E conta que, após este caso no Porto, recebeu muitas mensagens de pessoas a partilharem que também sofrem coisas parecidas no seu trabalho, mas que “não conseguem falar, não podem sair e dizer que sofreram isso”, podendo apenas “fazer uma queixa que, por vezes, não resulta em nada”.
Ivan considera que tem a “responsabilidade” de não permitir que estes casos passem impunes, usando a sua visibilidade para os denunciar. “Não só no desporto, as figuras públicas também têm de tomar parte no activismo”, diz.
Um exemplo para os mais jovens
O basquetebolista Ivan Almeida congratula-se pelo sucesso do basquetebol em Portugal e acredita que a modalidade ensina aos mais jovens como o sucesso exige trabalho, tal como aprendeu com o ídolo Michael Jordan, que “internacionalizou” a modalidade.
“Se queres ser um grande jogador, tens de trabalhar e isso já transmite qualquer coisa”, diz o jogador do SLB. “Às vezes, queremos também sair e ter uma vida normal, mas não podemos”, continua, recordando os primeiros tempos da sua carreira, quando se levantava bem cedo para treinar, a par do investimento nos estudos, que a mãe não permitia negligenciar.
O basquetebol é “um desporto enriquecedor, não só pelo poder no campo, mas pela disciplina que nos traz”, observa. E sublinha a importância das camadas mais jovens quererem seguir os seus ídolos, com quem diz ter orgulho em jogar, como o extremo luso-cabo-verdiano Betinho Gomes e os norte-americanos Aaron Broussard (armador) e Toney Douglas (base).
Ivan enaltece o papel dos “ídolos” deste desporto, como os que seguiu quando começou, quando tinha 11 anos, e deu os primeiros passos na cidade da Praia, em Cabo Verde, onde nasceu.
Cresceu a ver e a admirar Michael Jordan e, aos 33 anos, continua a eleger Jordan como o maior de todos, principalmente pelo papel na internacionalização deste desporto, sendo quase um sinónimo da modalidade. “É o meu ídolo, não só dentro do campo. A sua postura, como ele é. Dentro do campo, a sua competitividade, a maneira como jogava, como ganhava os jogos. Mas também a vida que levava fora dos jogos, como falava, como mudou o cenário internacional do basquete.” E resume: “É considerado, tipo, o Deus do basquete.”
Basquetebol é liberdade
O atleta refere que o basquetebol não se limita ao campo onde é jogado: “É a cultura, a música que ouvimos, a roupa que vestimos.”
E sublinha a liberdade do estilo, que ôé livre”, dando o exemplo da música que ouve enquanto treina, sem obedecer a modas, optando hoje em dia pelas músicas que produz, outra das suas paixões e que espera seguir quando abandonar o basquetebol e na qual já trabalha de forma entusiasta.
A morna faz parte do reportório, afirma, orgulhoso, sublinhando a importância da diva Cesária Évora, que faz questão de ter estampada na T-shirt que usava durante a entrevista.
“Há pessoas que gostam de ouvir rock 'n' roll ou outras músicas mais calmas. É um desporto que promete ser aquilo que tu queres ser. Isso é que é bonito no basquetebol. Não tens de ouvir hip hop para ser jogador de basquete”, assevera.
E isso aplica-se à forma de vestir. “Há pessoas que chegam de fato, depois vestem o equipamento; outros gostam de vestir mais tranquilo. O basquete permite-te ser aquilo que queres ser na vida.”
No campo, define-se como um lutador, que nunca desiste, com garra. E foi essa garra que lhe permitiu não baixar os braços quando se viu, aos 18 anos, nos EUA, onde se deparou com “uma realidade completamente diferente”.
“Quando cheguei [aos EUA], tive um choque, um grande choque. Fui jogar na universidade com colegas de 18, 19 anos, americanos, e não conseguia jogar, porque o nível era muito diferente”, conta, adiantando: “Naquele momento senti-me inútil, que não sabia basquete.”
E explica: “Eles eram mais físicos, saltavam mais. Tinham mais leitura de jogo. Era um basquete completamente diferente. Estamos a falar de um primeiro mundo que produz os melhores atletas de basquete.”
Mas foi esse sentimento que o moveu e o fez trabalhar, levantar-se um verão inteiro às 6h para ir treinar, para trabalhar mais para ser melhor. “Um ano e meio depois, quando fui para a minha universidade e estava a jogar com esses mesmos colegas, num jogo oficial, joguei bem. Já jogava normal e senti-me tranquilo dentro do campo com eles.”
De regresso a Portugal, jogou no Sampaense Basket uma meia época e começou “mesmo a jogar” e a mostrar o seu basquete, o que aprendera nos EUA.
Atleta da Federação Cabo-verdiana de Basquetebol, Ivan Almeida sublinha o “orgulho” que é jogar pelo país onde nasceu. “Não há palavras que descrever esse sentimento de estar dentro de campo, a representar uma nação.”
Edição: PÚBLICO