Montenegro versus Passos: o distanciamento pode acabar em disputa?
As críticas de Passos Coelho à (falta) de posição do PSD quanto à eutanásia obrigaram Montenegro a distanciar-se do ex-primeiro-ministro. Há quem fale em desconforto e quem vislumbre um regresso.
Durante os últimos anos, Pedro Passos Coelho tem escolhido a descrição e o silêncio. Mas desde que apareceu na festa do Pontal, ao lado de Luís Montenegro, o ex-primeiro-ministro tem cada vez mais marcado a agenda mediática, ora involuntariamente, ora por opção. O episódio mais recente aconteceu com o seu posicionamento contra a despenalização da eutanásia, dias depois de Montenegro ter anunciado que o PSD iria entregar uma proposta de referendo e ter assumido que tinha "dúvidas" sobre o tema. A posição pública do antigo primeiro-ministro obrigou Montenegro a "discordar completamente" de Passos Coelho e levou alguns sociais-democratas a falarem de desconforto. Ouvida pelo PÚBLICO, a direcção do partido afasta essa leitura. O episódio pressionou Montenegro ou foi uma oportunidade para o actual líder sair da sombra do passismo? As interpretações dividem-se.
Segundo Hugo Soares, secretário-geral do PSD, a posição que Passos Coelho escolheu assumir publicamente “em nada melindra ou pressiona a direcção de partido que sempre foi plural". O social-democrata assegura que “não há qualquer desconforto” e que o diferendo de opiniões não é um problema. “Não há tema. Acho perfeitamente normal que o doutor Pedro Passos Coelho tenha opiniões que queira partilhar com o país, até porque é alguém que o país ouve com respeito e admiração", argumenta. E descarta que se trate de uma "prova de vida" de Passos Coelho, até porque o ex-líder "não precisa". "Era só o que faltava. É um reputadíssimo militante do partido, ex-primeiro-ministro e ex-presidente do partido. Mal era se não tivesse opinião sobre temas que dividem a sociedade portuguesa”, argumenta, embora seja difícil encontrar outros diferendos públicos entre estes dois protagonistas.
Também André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, opta por não fazer uma leitura “táctica” acerca de um eventual posicionamento do ex-primeiro-ministro. Aliás, “mesmo nas poucas aparições públicas que faz, Passos Coelho não presta declarações”, assinala. Neste caso, para Azevedo Alves houve um “sentimento de obrigação de consciência” em relação ao tema, que pode reflectir “a própria experiência pessoal e familiar” do ex-primeiro-ministro nos últimos anos.
Embora não considere a divergência irrelevante, Azevedo Alves não vê aqui qualquer pressão ou "beliscão" sobre a liderança do PSD. Pelo contrário. “A dificuldade de Montenegro é distinguir-se de Passos Coelho, de se distanciar como um sucessor menos carismático ou assertivo”, sinaliza. Por isso, estas discordâncias poderão “permitir a Montenegro estabelecer essa posição de autonomia”.
Por sua vez, o professor e cronista João Pereira Coutinho começa por assinalar a dificuldade de Montenegro se posicionar de uma forma clara sobre o tema. “Depois de algum esforço já percebi: é contra, embora sem grande convicção, e queria um referendo”, ironiza. “Se isto é uma forma de se distinguir de Passos Coelho, que espera reverter a lei um dia, não sei. O que sei é que é uma posição ligeiramente envergonhada em matéria tão relevante”, critica.
Já quanto ao futuro político de Passos Coelho, se parecia certo que tinha sido criada uma rampa de lançamento para a próxima corrida presidencial - no momento em Marcelo Rebelo de Sousa colocou os holofotes no ex-líder do PSD para desviar a atenção mediática das suas polémicas declarações sobre os abusos sexuais na Igreja Católica -, há deputados da bancada social-democrata que acreditam que Passos poderá mesmo estar a pensar num regresso à liderança do partido.
É essa também uma das leituras feita por João Pereira Coutinho quando comenta o artigo de opinião escrito pelo ex-primeiro-ministro. “Quando Passos Coelho afirma que era bom reverter a lei no futuro, creio que não fala genericamente no PSD; mas no PSD liderado por ele”, escreve o professor e cronista. “Essa é talvez a revelação mais importante do artigo: quando muitos o dão em Belém, parece que o dr. Passos ainda se vê em S. Bento.”