Governo dá os primeiros passos para fazer a fotografia detalhada dos solos em Portugal
Já está online o Sistema Nacional de Informação de Solos, mas a tutela tem “uma ambição maior através do Observatório Nacional do Solo”, a criar no segundo semestre de 2023 e com mais valências.
O Governo deu já os primeiros passos para criar um Observatório Nacional do Solo, uma fotografia actualizada e detalhada dos solos em Portugal (cuja última Carta de Solos é de 1991), que "incluirá a monitorização periódica da saúde do solo e a sua evolução face às práticas de gestão utilizadas na sua utilização".
Para já, está online uma plataforma chamada Sistema Nacional de Informação de Solos (SNISolos), mas a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) tem "uma ambição maior através do Observatório Nacional do Solo", que espera ter operacional "no segundo semestre de 2023", avançou ao Terroir fonte oficial do Ministério da Agricultura e Alimentação.
Contactado pelo PÚBLICO, o ministério detalhou, na resposta enviada por email, que o objectivo agora é "solidificar todo o trabalho em matéria de protecção do solo que a DGADR lidera neste momento, com a criação do Observatório Nacional para o Solo, tendo por base os grandes objectivos de preservação, bem como a legislação europeia nesta matéria que se encontra em preparação" e que deverá ser apresentada no início de 2023.
Segundo avançou no início do mês uma técnica da DGADR, num seminário dedicado aos solos e à viticultura, no Douro, a criação do novo instrumento é um projecto a dois anos e foi objecto de uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020, aguardando aprovação. Independentemente desse financiamento, explica o ministério na resposta enviada ao PÚBLICO que "o SNI Solos já disponibiliza as cartas de classificação de solos de todo o país, depois de uma revisão", e que a tutela está "a trabalhar para, brevemente, serem disponibilizadas todas as cartas usando o mesmo sistema de classificação dos solos".
Foi no Dia Mundial do Solo, a 5 de Dezembro, que Cláudia Sá levantou o véu sobre estes "primeiros passos" num seminário sobre "Gestão sustentável do solo em viticultura", promovido pela Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID). Antes, da parte da manhã, já outro especialista falara do assunto. "Nós pouco sabemos sobre os solos do Douro. E agora que está em construção o Sistema Nacional de Classificação de Solos percebe-se isso", referiu Manuel Madeira, junto a um dos três perfis de solo abertos na Quinta do Bom Retiro (Ramos Pinto) e visitados por quem se inscreveu no seminário.
Já dentro de portas, e depois de a responsável da DGADR, em substituição do director-geral Rogério Ferreira, ter revelado que "passos" estavam então a ser dados para "criar o principal provedor de dados de referência do território continental sobre a saúde dos solos", Manuel Madeira explicou como está a ser reorganizada a classificação de solos propriamente dita a nível nacional.
Em linha com o que acontece lá fora, Portugal passará a classificar os solos como antrossolos (solos transformados pela acção humana), tecnossolos (compostos, artificialmente, por resíduos orgânicos e inorgânicos) e regossolos (solos pouco evoluídos, sobre materiais não consolidados) — a nomenclatura, explicou o professor do Instituto Superior de Agronomia e membro do painel técnico-científico da Parceria Portuguesa para o Solo, vem do inglês; "não é traduzível". São estes os solos que nos dão o vinho do Porto e os DOC Douro, sublinhou: sim, regossolos, e não antrossolos, mesmo que a paisagem, marcada pelos icónicos socalcos e patamares, tenha sido trabalhada pelo homem.
Na nova classificação, elaborou, será "crucial considerar" a profundidade dos solos, a sua espessura efectiva, a textura, a proporção de elementos grosseiros, o teor de matéria orgânica; a capacidade de drenagem, a porosidade, a capacidade de retenção e disponibilidade de água, a reacção (se é ácida ou alcalina).
"A grande diferença entre os solos de todo o país é a quantidade de limo [barro]", atalhou o engenheiro sivicultor. O limo chega a representar 50 por cento na composição de alguns solos, é menor em solos graníticos e no Douro, onde o académico falava, anda entre os 30 e os 40 por cento.
Cartografia desactualizada
E até aqui como eram descritos e que informação existia (existe) sobre os nossos solos? "Desde 1949 que temos uma Carta de Solos de Portugal, mas chegamos ao Douro ou ao Alentejo e só falamos de solos pardos. É curto", contextualizou Manuel Madeira, perante uma plateia composta sobretudo por técnicos de viticultura. Nas Cartas de 1953 e 1971, houve alguma evolução, mas repete-se o mesmo tipo de classificação genérica.
Há nesses documentos, explicou o especialista, “uma percepção da predominância de solos delgados sobre rochas xistosas”, omitindo-se a influência da acção humana. "Só em 1991, quando foi finalizada a Carta de Solos de Trás-os-Montes e Alto Douro, e aqui de forma bastante redundante, é que se tem em conta que a acção humana foi fundamental para moldar estes solos." Mas essa Carta de 1991, no caso do Douro considera os terraços antigos, e não reflecte as transformações ocorridas entretanto e que continuam a ocorrer na região vitivinícola demarcada mais antiga do mundo.
Na resposta enviada ao PÚBLICO, a tutela começa por referir que "Portugal apresenta uma grande diversidade geológica" e é mesmo "um dos países da União Europeia com maior diversidade paisagística, o que se reflecte na multiplicidade de unidades cartográficas e de solos". Ter informação actualizada e rigorosa sobre a distribuição dos solos "é crucial, nomeadamente para a produção agrícola, para o ordenamento do território, para a fixação de populações, bem como para a prevenção de catástrofes naturais e para a gestão de ecossistemas e protecção das funções do solo", explica o ministério da Agricultura.
Por essa razão, continua a mesma fonte, e para "harmonizar" a informação disponível, tem sido prioridade da DGADR "a sua organização, validação, homogeneização, integração e partilha em formato digital, com o objectivo de torná-la pública e de livre acesso". No tal Observatório de âmbito nacional.
De acordo com a resposta do Governo, os "grandes objectivos" do Observatório são: "criar um modelo de governança que promova a participação e o trabalho conjunto entre os agentes do desenvolvimento rural; estabelecer um sistema de monitorização da saúde do solo, harmonizado a nível nacional e alinhado com o sistema europeu; criar um sistema de informação que permita o registo dos resultados das amostras de solos realizadas pelos diferentes utilizadores do solo; estabelecer um programa de comunicação e sensibilização activo", envolvendo os mais diversos agentes.
No Douro, Cláudia Sá detalhou o que será esse trabalho conjunto: o projecto permitirá "o registo dos resultados das amostras de solo realizadas pelos diferentes utilizadores do solo", será realizada uma "campanha-piloto" cujas "amostras colhidas deverão ser analisadas no mesmo laboratório".
Nas suas considerações finais no evento da ADVID, Manuel Madeira disse que o SNISolos "necessita de mais informação da Região Demarcada do Douro". A classificação dos solos importa a todo o sector agrícola, mas ali a plateia era da vinha e vinho. E, nesse contexto, o especialista explicou que dependia "do historial das diferentes áreas vitícolas" e lembrou que "conhecer as características do solo é crucial para aprimorar a classificação" mas também "para adaptar o sistema de gestão da vinha" e "reforçar a expressão do terroir".
Até há poucos anos, o conhecimento sobre os nossos solos "encontrava-se disperso em diversas instituições", sublinha o ministério da Agricultura. E foi no sentido de reunir toda essa informação que, já em 2014, DGADR e Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo criaram a Parceria Portuguesa para o Solo, tendo por referência a Parceria Mundial do Solo. A parceria, refere ainda a tutela, visava também "contribuir para a preservação e melhoria do solo", "para a consciencialização" da sua importância do solo e para capacitar o meio técnico-científico.
A Parceria Portuguesa para o Solo é de adesão voluntária, reúne 41 parceiros, entre os quais oito entidades públicas e 14 instituições do meio académico e de investigação, que "têm promovido a elaboração de documentos orientadores para as boas práticas de gestão sustentável do solo" e emitido pareceres técnico-científicos que apoiam a decisão, também política.