No Qatar, como um avô
“No meu tempo, não era assim”, dizem os experientes saudosistas, desdenhando os mais jovens que vêem o mundo de forma diferente. Quando o tom é condescendente, nunca é bom ouvir isso.
Mas este Mundial 2022 colocou-me, ainda antes dos 30 anos, a ser o condescendente e até paternalista velho do Restelo que não compreende que raio faz a juventude. E que raio faz a juventude?
Estávamos com 12 minutos de Brasil-Coreia do Sul. Neymar ia bater um penálti. No Brasil, loucura à frente dos televisores por parte de quem adoraria estar no estádio 974. No Qatar, na bancada central, alguns sortudos assistem ao momento... no ecrã.
Dias depois, estávamos com 34 minutos de Argentina-Croácia. Messi ia bater um penálti. Na Argentina, loucura à frente dos televisores por parte de quem adoraria estar no estádio Lusail. No Qatar, na bancada central, alguns sortudos assistem ao momento... no ecrã.
Porquê? Não sei. Mas fazem-me sentir avô.
No caso do jogo do Brasil, eu nem me tinha apercebido do fenómeno. “Olha para estes gajos a verem o penálti do telemóvel”, apontou-me um colega jornalista.
No jogo da Argentina, eu já estava de olho na bizarria. Enquanto Messi se preparava para bater, cheguei a fotografar os gaiatos – não há palavra mais "avô" do que esta –, mas apaguei a fotografia quando limpava a galeria ontem à noite – lá está, como um bom avô.
Para estes jovens, poderem oferecer o penálti aos seus seguidores das redes sociais ou gravarem o momento para verem mais tarde era mais excitante do que terem os olhos em Neymar e Messi, para apreciarem o momento.
Faz sentido? Talvez faça, não sei bem. Mas já tenho maior dificuldade em aceitar os dois que vi a seguirem o penálti na transmissão que passava nos respectivos telemóveis. Não estavam sequer a filmar, estavam a ver o jogo no telemóvel. Ninguém me contou, vi eu.
No meu tempo, não era assim. Palavra de avô.