Chovia copiosamente quando, no início da semana, chegámos à adega da Grape To Bottle em Sarnadelo, Santa Marta de Penaguião. Receberam-nos à entrada da adega a cadela Pinot e Eric Nurmi, o norte-americano que por amor foi parar ao Douro. É casado com Mafalda Machado, enóloga da Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo, e também ele tem formação na área do vinho. O casal, colheita de 1986, criou uma empresa para ajudar pequenos produtores de vinho a singrar numa indústria onde abundam marcas e referências e onde dar os primeiros passos obriga, normalmente, a abrir os cordões à bolsa.
Uma espécie de "incubadora" que, a um mês da vindima de 2021, só tinha um cliente e que, graças ao "passa-a-palavra", nesse Agosto, arrancou com nove produtores. Hoje, a Grape To Bottle, trabalha 13 marcas, "das três sub-regiões do Douro — Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior —, com uvas de microclimas distintos e castas diferentes".
Eric é natural da Califórnia, nos EUA, e por lá estudou Empreendedorismo e Negócios Internacionais, com uma pós-graduação em Marketing de vinhos. Na sua terra Natal, a família faz vinho a partir de 30 hectares de Pinot Noir e Chardonnay no Russian River Valley, Sonoma. Quando terminou o curso, pareceu-lhe natural fazer-se ao mundo para aprender mais sobre vinha e vinho. Conheceu Mafalda em 2010 durante um estágio na Nova Zelândia e o destino trocou-lhe as voltas. "Fizemos depois mais estágios na Califórnia — em Sonoma —, na Austrália — Margaret River — e em Portugal", conta ao Terroir o californiano que por cá soma experiências em três regiões. "A ideia era regressar" aos states, já não regressou. Instalou-se no Douro em 2011. Mafalda empregou-se então na Quinta do Côtto e Eric passou por várias empresas nos Vinhos Verdes, no Dão e no Douro, "para ganhar experiência em Portugal".
Vivem por cima da renovada adega de uma quinta de família, da família de Mafalda. "Na Califórnia, na Nova Zelândia, na Austrália, no novo mundo, existe um conceito que se chama custom crush [vinificação personalizada]. É essa a nossa proposta. Estamos focados na qualidade. Fizemos este projecto para nos focarmos em produtores pequenos que estão a lançar marcas mas não têm equipamento e/ou espaço para fazer a vinificação", começa por explicar Eric, que gere no dia-a-dia a empresa. Esse foco percebe-se logo na resposta à pergunta: e fazer o vosso vinho, não? "Haveria um conflito de interesses se eu fizesse o meu vinho. Pelo menos, nos primeiros anos, quero focar-me no cliente."
A cuba maior que Eric Nurmi tem na adega é de 5 mil litros, a mais pequena de 30 litros. É nesse estranho e pequeno globo de vidro que está parte do vinho de Mourisco tinto (Marufo) de António Braga, enólogo que se aventurou a fazer vinhos em nome próprio depois de ter feito carreira na Sogrape e quem nos falou da Grape To Bottle. "Tive a sorte de encontrar aqui parceiros incríveis, que fizeram uma adega só para isto. Exclusivamente para prestar serviços. Se eles estivessem a fazer o vinho deles, eu era um 'já agora'. Lá fora, chamam-lhe contract winery, cá desconheço outro assim desenhado."
Eric conta que "há clientes que têm [ali] duas barricas e há quem processe 25 toneladas de uva". Na última campanha, fez um total de 58 fermentações, 38 em simultâneo. Algumas foram feitas para "uma cliente nova que comprou uma quinta recentemente e queria conhecer as parcelas" da propriedade. Mas a assessoria de alfaiate que a Grape To Bottle faz vai para além da vinificação.
Trabalhar para "um nicho, tipo família"
A empresa também fornece uvas, dos seis hectares da quinta em Sarnadelo — um dos clientes fez um varietal de Rabigato da propriedade —, recolhe amostras e reporta regularmente sobre os mostos e vinhos na adega e faz até "vinificação com consultoria" — neste momento, são quatro os produtores a quem fazem o vinho. E, num cantinho onde nasceu uma sala de visitas despojada mas acolhedora, e decorada com bom gosto e materiais reutilizados, também estão preparados para acolher os produtores empreendedores e os seus parceiros de negócio e outras visitas.
No futuro, já com rótulos para colocar no mercado, esse rústico espaço funcionará também como loja, onde as marcas incubadas poderão ter os seus vinhos à venda. A Grape To Bottle ainda não tem site ou conta nas redes sociais, mas está a preparar essas plataformas, como uma forma de apoiar os clientes também no marketing dos seus projectos.
"Queria trabalhar para um nicho, com pessoas de quem gosto e que admiro, tipo família." E isso já está a acontecer, com "os próprios clientes a apoiarem-se uns aos outros", conta Eric. Juntaram-se, por exemplo, para comprar, em grupo, garrafas e para tratar do seu transporte.
Em 2022, a adega processou 105 toneladas de uva, mais ou menos 105 mil litros de vinho. Em 2021, tinha recepcionado 75 toneladas. Um salto que está "em linha com o plano de negócios" que Eric traçou. "A capacidade é para 100 a 120 mil litros por ano, neste momento temos aqui 90 mil litros. Mas há um armazém na quinta que vou recuperar para apoio logístico e onde vou colocar as barricas, para ganhar mais espaço para cubas aqui na adega. A obra começa no próximo mês de Janeiro."
Em 2023, para além dessa ampliação, os projectos de Eric e Mafalda passam por criar, em patamares que não estão a ser usados, um espaço ao ar livre para eventos em torno do vinho, construir uma piscina e plantar uma horta de plantas aromáticas. Na propriedade, outrora gigante, o pai de Mafalda "foi o primeiro na região a plantar um bardo por patamar", conta o genro, enquanto segura uma garrafa de grande formato de vinho do Porto Machado, uma das duas referências que a família chegou a engarrafar (a outra era o Quinta do Pisco, Porto e vinho tranquilo). Uma história que também engrossa o capital intelectual deste negócio.