Residência farmacêutica: formação e diferenciação

Um motivo de preocupação: como atrair profissionais sem um projecto de carreira profissional com sentido de futuro?

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Farmácia Rui Gaudencio

Depois da greve dos farmacêuticos do Serviço Nacional de Saúde, talvez se tenham tornado mais visíveis os problemas que enfrentam no seu quotidiano profissional e que limitam o serviço prestado aos cidadãos que acorrem ao sistema de saúde, em busca de cuidados personalizados e qualificados.

Nas celebrações do Dia do Farmacêutico, a 26 de Setembro, o novo Ministro da Saúde afirmou que o preenchimento das 143 vagas existentes para o início da residência farmacêutica em 2023 permitiria resolver mais de metade dos problemas existentes nos quadros de pessoal farmacêutico a partir de 2027.

Parece simples, mas não é. Desde logo, a residência farmacêutica não é um mero processo de recrutamento de farmacêuticos. É, antes de mais, um instrumento de formação pós-graduada que deve conduzir à diferenciação profissional em três áreas de intervenção: análises clínicas, farmácia hospitalar e genética humana, estabelecendo a ligação entre a teoria e a prática profissional.

Tratando-se de um percurso formativo, exige naturalmente o acompanhamento de profissionais experientes, já especializados, que ajudem os farmacêuticos residentes no seu percurso. Isto implica que tenham de ser deslocados, pelo menos em tempo parcial, das tarefas que habitualmente asseguram nos seus serviços.

Ora, estando em falta mais de 250 farmacêuticos nos quadros do Serviço Nacional de Saúde (e que podem ascender a mais de 300 no final do primeiro ciclo formativo da residência farmacêutica, contando apenas as aposentações previstas), corremos o risco de, por um lado, comprometer a qualidade da formação; e, por outro lado, ceder à tentação de usar os farmacêuticos residentes como força de trabalho, de forma desenquadrada e indiferenciada. Em França, os farmacêuticos residentes e os médicos internos deparam-se com este problema, que já levou a uma greve em que participou a Fédération Nationale des Syndicats d'Internes en Pharmacie et en Biologie Médicale.

Por último, é necessário garantir que, no final do processo formativo da residência farmacêutica, seja dado acesso aos farmacêuticos residentes aos lugares de especialista que lhes correspondem para, efectivamente, se começar a resolver de forma estrutural o problema da falta de farmacêuticos especialistas no Serviço Nacional de Saúde. Não há qualquer compromisso ou garantia, ou tão-somente um planeamento a médio e longo prazo por parte da tutela neste sentido. Um motivo de preocupação: como atrair profissionais sem um projecto de carreira profissional com sentido de futuro?

Por isso, não podemos esquecer os dois eixos fundamentais em que deve assentar a residência farmacêutica: formação especializada e diferenciação funcional. E para que isto possa começar a acontecer é preciso garantir que a residência farmacêutica começa de facto no início de 2023: à data em que escrevo ainda não se iniciou o processo de escolha para os candidatos, o que põe em sério risco o início da residência farmacêutica – e sem o qual tudo o que se escreveu atrás não passa de reflexão teórica.

Será que, mais uma vez, os farmacêuticos portugueses vão “morrer na praia”?

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