Enfermeiros exigem aumento e participam na maior greve de sempre do sector no Reino Unido
Num mês de Dezembro com greves agendadas em vários sectores, enfermeiros de Inglaterra, Gales e Irlanda do Norte exigem aumento salarial de 19%. Governo britânico não vai além dos 4,3%.
“Que dia trágico. Trágico para a enfermagem, trágico para os pacientes (…), trágico para as pessoas desta sociedade e [trágico] para o nosso NHS [serviço nacional de saúde britânico]”, lamenta Pat Cullen, líder do sindicato de enfermeiros Royal College of Nursing (RCN), o principal mobilizador da maior greve de sempre do sector, levada a cabo nesta quinta-feira em Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte – só a Escócia ficou de fora.
“E é trágico que este Governo tenha decidido não falar connosco, nem sentar-se numa sala neste primeiro dia de greve”, acrescentou a sindicalista, em declarações à BBC.
A paralisação desta quinta-feira, considerada “histórica” e “sem precedentes” pelos meios de comunicação social britânicos, tem a duração de 12 horas, envolve cerca de 100 mil enfermeiros de 76 hospitais e centros de saúde e tem como efeito imediato o cancelamento de pelo menos 70 mil consultas e cirurgias previstas ao abrigo do NHS.
Os serviços de cuidados intensivos, quimioterapia, serviço neonatal e outros procedimentos de cuidados continuados considerados essenciais não devem sofrer disrupções.
Com o Reino Unido a enfrentar uma inflação acima dos 10% e a braços com um aumento brutal no custo de vida, o RCN exige ao Governo conservador liderado por Rishi Sunak, uma subida no salário dos enfermeiros na casa dos 19%, para fazer frente à nova realidade económica, mas também aos anos de desinvestimento público no NHS e aos efeitos nocivos da pandemia de covid-19 no sector.
“Temos de defender o nosso serviço de saúde; temos de encontrar uma forma de responder às mais de sete milhões de pessoas que estão em listas de espera. E como é que podemos fazer isso? Garantindo que temos enfermeiros para cuidar dos nossos pacientes, em vez dos 50 mil postos de trabalho vagos, que aumentam dia após dia”, afirmou Pat Cullen.
O RCN tem um segundo dia de greve agendado – 20 de Dezembro –, mas apela ao Governo para negociar uma solução antes dessa data.
O executivo tory não parece, ainda assim, interessado em fazer alterações à proposta que tinha apresentado aos enfermeiros no início do ano, baseado nas recomendações da altura do organismo independente de revisão desse tipo de operações, e que previa um aumento salarial de “apenas” 4,3%.
Stephen Barclay, ministro da Saúde, disse à Sky News que o Governo “reconhece a enorme contribuição” dos enfermeiros durante a pandemia e sublinhou os pagamentos extra que a classe recebeu durante esse período, quando outros sectores públicos não tiveram essa possibilidade.
Mas diz, no entanto, que um aumento de 19% “não é viável” face “às muitas outras pressões económicas” que o país “enfrenta”.
Na mesma linha, em declarações à BBC, Maria Caulfield, subsecretária de Estado para a saúde e antiga enfermeira, considera que a exigência salarial do RCN é “um pedido irrealista”.
Cada ponto percentual de aumento salarial, explica, custaria 700 milhões de libras (cerca de 812 milhões de euros) aos contribuintes britânicos, e teria de ser financiada com novos aumentos de impostos ou com cortes nos orçamentos de outros sectores.
Dezembro de greves
Num mês de Dezembro com greves previstas – ou já realizadas – nos transportes, correios, educação, autoridades fronteiriças, entre outros sectores e grupos profissionais, que vão afectar gravemente a quadra natalícia britânica, o Governo de Sunak não se quer pôr numa situação de cedência perante um destes sindicatos.
Até porque anunciou há cerca de um mês um novo aumento de impostos e uma maior contenção da despesa pública, não só para lidar com a crise económica e energética que assola o país, mas também para reverter os danos causados pelo plano fiscal da anterior primeira-ministra britânica, Elizabeth Truss, na reputação externa e na “credibilidade” financeira do Reino Unido.
Os sindicatos envolvidos nesta greve lembram, porém, que os 4,3% propostos pelo Governo no início do ano devem ser actualizados, nem que seja porque rebentou uma guerra na Europa logo em Fevereiro, que está a afectar economicamente todo o continente.
Para dificultar a posição irredutível do executivo, dois deputados conservadores defenderam, esta quinta-feira, que deve sentar-se à mesa com o RCN e aumentar a parada. Um deles, Jake Berry, foi até há bem pouco tempo ministro no Governo de Truss e presidente do Partido Conservador.
“O Governo vai ter de melhorar a sua oferta. Sabemos todos como isto funciona: eles pedem 19%, o Governo oferece-lhes três ou quatro, ou o que for, e vão ter de se encontrar algures no meio”, disse Berry à TalkTV.
Na Escócia, por exemplo, o governo local – liderado pelo Partido Nacional Escocês – propôs um aumento de 7,5% aos enfermeiros. Dois sindicatos aceitaram a proposta, mas o GMB rejeitou-a, e quer voltar a negociar com o governo escocês antes do Natal.