Quando é que a pornografia pode ser considerada um vício?
“A pornografia ser usada como um auxílio à excitação, não é novidade. Mas o que não dá é precisar dela para se excitar sempre”, diz sexóloga.
A actriz e modelo Cara Delevingne, 30, afirmou num documentário ser viciada em consumir conteúdo pornográfico. A artista disse no filme Planet Sex que assistia a material pornográfico desde muito jovem para conseguir atingir o orgasmo. Ela também confidenciou que via sempre os conteúdos sozinha, nunca ao lado de nenhum parceiro.
"De certa forma, fez-me ter muito menos respeito e uma relação sexual muito pior comigo mesma", disse a actriz. "Era viciada em pornografia? Eu não via todos os dias, mas precisava de ter um orgasmo todos os dias. Só que eu preciso de assistir para ter um [orgasmo]. Então, acho que, à sua maneira, é um vício", comentou.
A psicóloga e sexóloga Camila Kurdian diz que não há um limite para determinar se pornografia é vício ou não, como acontece no caso de consumo de álcool, de cafeína ou de jogos. Mas o que é avaliado é se isso atrapalha a vida da pessoa.
"A pornografia ser usada como um auxílio à excitação, não é novidade. Mas o que não dá é precisar dela para se excitar sempre. A pornografia libera dopamina no cérebro acima do que é liberado no sexo normal. E, quando a pessoa vicia nesse recurso, ela sempre vai precisar do mesmo estímulo, que é muito maior na pornografia", diz.
A actriz disse ainda no documentário, exibido pelo canal britânico BBC, que a pornografia dá aos jovens uma visão distorcida de como o sexo e a intimidade deveriam ser. "Eu definitivamente não teria feito muitas coisas se não tivesse visto pornografia, e definitivamente arrependi-me disso depois", declarou. Delevingne afirmou ainda que largou o porno por se ter tornado uma pessoa "insensível".
Kurdian explica que é mais comum o vício em pornografia nos homens do que nas mulheres. Muitos, relata a especialista, têm dificuldades em contar à companheira, uma vez que elas ficam chateadas e com ciúmes. "Muitos têm medo de serem julgados e não admitem que precisam da pornografia. Dividir com o parceiro ou com a parceira ajuda, mas muitos escondem-se e optam por não ter mais relações sexuais e acabam por se afastar."
É comum que homens que consomem muita pornografia tenham disfunção eréctil ou dificuldade em ejacular. "Muitas vezes estão com a parceira, na cabeça dele está a passar o filme e, na cama, ele age como um robô. Não está ali presente", diz. No caso das mulheres, a maior dificuldade que elas apresentam é a mesma da actriz: dificuldade de atingir o orgasmo.
Quando procurar ajuda?
O momento de procurar auxílio profissional é quando a prática atrapalha a relação com o parceiro ou prejudica actividades do dia-a-dia, por exemplo, o trabalho.
A psicóloga diz que na terapia vão ser procuradas estratégias comportamentais para diminuir o vício. Primeiro, explica a sexóloga, é preciso procurar o motivo para o paciente estar a consumir com tanta frequência pornografia. "Depois, vamos evitar que ele fique sozinho, que converse com a parceira, que bloqueie sites etc. É preciso entender a motivação, mudar o ambiente para que ele não tenha acesso livre a esses conteúdos e tentar entender as cognições que faz para justificar a prática", diz.
Ela diz que é comum as pessoas terem alguns pensamentos para justificar o vício, como "vou-me masturbar porque tive um dia cansativo e é mais fácil". "São algumas justificações que o paciente dá para consumir de madrugada, escondido do parceiro ou parceira, esses conteúdos". Kurdian diz que, em alguns casos, será necessário também um acompanhamento com um psiquiatra para serem usados medicamentos para auxiliar no tratamento.
Masturbação
Kurdian diz que a masturbação é saudável, é uma forma conhecer o próprio corpo e o que dá prazer. "A masturbação é a mesma questão do porno. Se for exagerado pode gerar vício, normalmente associado ao porno", diz.
Em entrevista ao canal de TV Mipcom, de Cannes, a actriz também revelou que participou num seminário de masturbação e que descobriu que era muito "puritana". "Fui a um seminário de masturbação a pensar que seria tipo uma aula e eu teria um caderno e tal. Ao invés disso, tinha um tapete de couro rosa no chão e seis pessoas a dizer: 'Bom, tire a sua roupa íntima. Aqui está o lubrificante'", conta.
"Eu penso que sou uma jovem descontraída, fixe, uma mulher que alinha em tudo, mas fiquei tipo: 'Desculpa, o quê? Desculpa, não, definitivamente não, não farei isso'. Mas acabei por fazer tudo o que me senti confortável para fazer", disse Delevingne, que esteve em Cannes para promover o documentário.
Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo
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