Dicionário de Cambridge inclui pessoas trans na definição de “mulher” e “homem”

“Um adulto que vive e se identifica como mulher ainda que possa ter-lhe sido atribuído um sexo diferente à nascença”, lê-se na definição de “mulher”, depois da actualização.

Foto
Dicionário de Cambridge actualizou recentemente as duas definições de "mulher" e "homem" The Gender Spectrum Collection

O Dicionário de Cambridge actualizou recentemente as duas definições de "mulher" e "homem" para incluir pessoas trans, tornando-se assim no mais recente dicionário a expandir formalmente o significado de mulher.

Um representante do Dicionário de Cambridge disse ao Washington Post esta terça-feira que os seus editores "fizeram esta adição em Outubro", mas que apenas atraiu atenções esta semana, depois de o jornal britânico Telegraph o ter noticiado.

"Eles estudaram cuidadosamente os padrões de uso da palavra 'mulher' e concluíram que quem está a aprender inglês deve estar atento a esta definição para alicerçar o seu entendimento de como a língua é usada", disse Sophie White, porta-voz da Cambridge University Press and Assessment, num comunicado enviado ao The Post.

Na entrada do dicionário, a "antiga definição da palavra — 'um ser humano adulto do sexo feminino' — ainda está lá e continua igual", referiu White. Mas uma definição adicional da palavra aparece abaixo. "Um adulto que vive e se identifica como mulher ainda que possa ter-lhe sido atribuído um sexo diferente à nascença", lê-se.

A definição inclui também dois exemplos que se referem a pessoas trans. Num dos exemplos lê-se: "Ela foi a primeira mulher trans eleita para um cargo político." Outro exemplo que utiliza a definição actualizada diz: "A Maria é uma mulher a quem foi atribuído o género masculino à nascença."

Actualizações adicionais também foram feitas na entrada de "homem". Os dois exemplos que figuram na definição suplementar incluem: "O Marco é um homem trans (= um homem a quem foi atribuído o género feminino à nascença) e "O médico encorajou-o a viver como um homem algum tempo antes de fazer a transição cirúrgica".

As notícias sobre a actualização à definição chegam antes de um marco histórico na luta de décadas pela igualdade nos casamentos nos Estados Unidos. O presidente Joe Biden assinou, esta terça-feira, uma lei que garante protecção federal para casais do mesmo sexo e inter-raciais.

Ainda que a Lei de Respeito pelo Casamento não vá forçar os estados a oficializar licenças de matrimónio entre casais do mesmo sexo, deverá fazer com que as pessoas sejam consideradas um casal em qualquer estado, desde que o casamento seja válido no estado onde foi concretizado. A legislação também deverá anular a Lei de Defesa do Casamento de 1996, que definia o casamento como a união entre um homem e uma mulher e permitia que os estados negassem reconhecer casamentos entre pessoas do mesmo sexo oficializados noutros estados.

As actualizações no Dicionário de Cambridge seguem alterações feitas nos últimos anos no Dicionário de Oxford e Merriam-Webster, que expandiram as definições de "mulher".

Em 2020, Oxford ajustou a definição de "mulher" depois de críticas que descreviam a definição e os sinónimos como "sexistas". A definição do dicionário diz que uma "mulher" pode ser "a esposa, namorada ou amante de alguém", e não apenas a amante de um homem. Terminologia neutra também foi acrescentada à definição de "homem", reportou o Guardian.

No mesmo ano, o Merriam-Webster incluiu uma definição adicional para "mulher" que diz que ser mulher significa "ter uma identidade de género oposta à do homem". Algo similar aconteceu na definição de "homem". A adição às definições desencadeou indignação online este ano, por parte de conservadores, quando a alteração de 2020 surgiu no Twitter. Em Setembro, Jeremy David Hanson, 34, de Rossmoor, Califórnia, confessou ser culpado de fazer ameaças de violência anti-LGBTQ contra o Merriam-Webster, o que obrigou a empresa a fechar os escritórios em Springfield.

"Não há 'identidade de género'", escreveu, alegadamente, Hanson, de acordo com o Departamento de Justiça. "O imbecil que escreveu esta entrada devia ser apanhado e baleado." Foi condenado a cinco anos de prisão.

Quando a notícia do Telegraph se difundiu online esta terça-feira, rapidamente algumas vozes conservadoras criticaram a decisão. Outros, como Leroy Thomas, director de comunicação do National Center for Transgender Equality, celebrou a alteração como sendo a mais recente afirmação de que "mulheres trans são mulheres".

"A língua molda o nosso entendimento do mundo", referiu Thomas num comunicado enviado ao The Post. "Numa altura em que alguns líderes políticos estão a tentar apagar as pessoas trans da sociedade, é importante que sejamos reconhecidos como nós próprios. Clarificar o significado do que é ser mulher torna mais claro que as pessoas trans são quem dizem ser."

Laurel Powell, porta-voz da Human Rights Campaign, o maior grupo de defesa dos direitos LGBTQ no país, partilha o sentimento. "Os dicionários não definem as línguas usadas. Explicam como estão a ser usadas na generalidade", disse, em entrevista. "Sabemos que há uma maré crescente de aceitação em relação a pessoas LGBTQ+, e isso é certamente inclusivo para pessoas trans. Estamos a ver um reflexo de algo que já é amplamente aceite."

Sophie White referiu que a actualização à definição de "mulher" foi feita pelos editores do Cambridge a 27 de Outubro. "Os nossos dicionários são escritos para quem está a aprender inglês e estão desenhados para ajudar os utilizadores a perceberem o inglês como ele é usado actualmente", escreveu, realçando que os dicionários são compilados pela análise de mais de dois mil milhões de palavras. Uma análise de tantas palavras permite ao Dicionário de Cambridge "ver exactamente como a língua é usada", disse White. "Actualizamos regularmente o nosso dicionário para reflectir as mudanças que acontecem na forma como o inglês é usado, com base na análise de dados deste corpus", referiu.

"Mulher" foi um termo tão popular em 2022 que o Dictionary.com considerou essa a palavra do ano. O site, que define uma mulher como "uma pessoa adulta feminina" e "um trabalhador ou representante feminino", afirmou que "a proeminência da questão e a atenção [que a palavra] recebeu demonstrava como as questões relacionadas com a identidade e direitos das pessoas trans estão agora no topo do discurso nacional".

"Mais do que nunca, enfrentamos questões acerca de quem se identifica como mulher (ou como homem, ou como nenhum", escreveu o site. "As políticas que estas questões requerem transcendem a importância de qualquer definição num dicionário — elas têm impacto directo na vida das pessoas."

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Sugerir correcção
Comentar