Esteve 17 anos no projecto familiar Encostas do Sobral, em Tomar, e três anos na Casa Agrícola Horta Osório, no Douro (projecto agora inserido universo Menin Wine Company). Durante a pandemia, Pedro Sereno abandonou as grandes adegas e dedicou-se ao conceito de vinhos de boutique, e com duas marcas: Marquês de Tomar e Pedro Sereno. Os primeiros vinhos, de 2020 e 2021, chegam agora ao mercado. São muito novos, mas mostram-nos uma realidade vitícola bem curiosa e desconhecida na região do Tejo – as vinhas velhas da serra de Tomar.
Os enólogos defendem todos os vinhos que fazem, mas, nas grandes empresas, têm por vezes de criar referências que são bem mais interessantes do ponto de vista comercial do que do ponto de vista enológico. Coisas a que o mercado obriga. Só que, cansado deste jogo, Pedro Sereno, aos 38 anos, mudou de vida. “Decidi que, de agora em diante, vou dedicar-me a projectos pequenos e com identidade muito vincada ao território de onde são originários. Vou fazer vinhos que me dão prazer, que contam histórias e que façam a diferença”, diz-nos. E qual foi o filão que este enólogo várias vezes premiado arranjou? As tais parcelas de vinhas velhas ou vinhas abandonadas da Serra de Tomar e arredores.
Poder-se-á dizer que isso das vinhas velhas não é novidade alguma e que, com excepção do Douro, esta categoria fica entregue à liberdade do produtor. E, pior ainda, devem contar-se pelos dedos das mãos o número de consumidores que associa a região de Tomar a vinhas velhas. Todavia, elas existem neste território. E com idades avançadas.
O alto da serra de Tomar é um território agrícola de co-associação e de minifúndio. Quem se desvie de uma estrada principal e se meta por um atalho descobrirá pequenas áreas de vinhas velhas entre eucaliptais, pinhais e oliveiras, sendo que, nalguns casos, o solo é composto por xisto. Raspamos a terra com o calcanhar das botas e manifestamos algum espanto pela presença deste tipo de solo por aqui. Pedro Sereno faz a pergunta: “nunca esteve nas margas da barragem de Castelo de Bode?”. Sim, já estivemos, sim, recordamo-nos das tiras de xisto que se partem à nossa passagem e, sim, a bacia hidrográfica serpenteante fica muito perto da União das Freguesias de Serra e Junceira, que é onde se situa esta vinha de 60 anos que Pedro Sereno arrendou.
Nesta localidade do Balancho, uma área como menos de 0,5 hectares, existem castas tintas e brancas, sendo que, nas primeiras, destacam-se o Castelão, a Trincadeira e o Alicante Bouschet, enquanto nas brancas temos Fernão Pires, Malvasia Fina e Bical. E é quando o enólogo menciona esta última casta que nos vem à mente que, de facto, o desenho destas vinhas e sua protecção florestal fazem lembrar a Bairrada, o Dão e, em certa medida, a serra de São Mamede, em Portalegre, sendo que, aqui, no alto da serra de Tomar (300 metros de altitude), as amplitudes térmicas são pronunciadas, coisa que faz bem às uvas e ao vinho. Aqui não há campos extensos de vinhas desenhados a régua e a esquadro. Há pequenas vinhas plantadas com base no saber dos antigos, naquela ideia que recomendava muitas castas ao barulho para driblar os humores do tempo.
Mais a baixo, quase na cidade, na Quinta da Granja, datada do século XVI, está uma curiosa vinha com cerca de 20 anos e plantada com Encruzado e Alvarinho, num sistema de alta densidade. Quem foram os responsáveis por esta vinha inusitada? Os professores Rogério de Castro e Virgílio Loureiro. Esta quinta, onde há séculos funcionou uma espécie de residência prisional para aqueles que vinham infectados da Índia, está em processo de venda há anos, pelo que quando as vinhas chegaram à mão do enólogo estavam à beira da morte. “Quando aqui cheguei as vinhas não se distinguiam das silvas, mas algum tempo depois, com limpeza e adubações correctas, ressuscitaram. Nunca deixo de me espantar com a capacidade de sobrevivência da videira”, diz Pedro Sereno.
Ora, com uma área total de cinco hectares e uma adega que pertenceu ao bisavô, Pedro criou duas marcas: Marquês de Tomar e Pedro Sereno. Com as categorias Superior e Reserva, a primeira serve para vinhos que resultam de lotes de vinhas de diferentes propriedades; já a segunda marca é a representação de vinhos de parcelas (um branco é só da vinha da Quinta da Granja e os Vinhas Velhas, um branco e um tinto, juntam vinhos provenientes de vinhas que chegam aos 90 anos).
Para um produtor que se lança por estes dias num mercado que vê nascer marcas como cogumelos, esta dispersão de referências é capaz de ser arriscada, assim como arriscado é, no caso da marca Marquês de Tomar (nome sonante), usar a categoria Superior para um tradicional Colheita e, depois, subir ao patamar do Reserva. Como Reserva é o que mais existe neste mundo, muitos consumidores acharão que o Superior tem um posicionamento acima do Reserva, quando não é isso que acontece. É certo que os enólogos querem sempre mostrar criatividade e diferenciar os vinhos em função dos canais de vendas, mas deveriam colocar-se do lado do consumidor ou até do vendedor e perguntar se isto não se torna confuso. Haja memória para fixar e perceber estas referências.
Seja como for, estamos perante vinhos bem pensados e bem feitos, que têm a particularidade de nos mostrar uma realidade escondida de Tomar, inserida no conceito de vinhos do Tejo. Numa região que se modernizou em grande escala com as castas nacionais da moda, podermos provar brancos do Tejo feitos com a partir de cepas velhas de Bical ou de Malvasia Fina e tintos a partir de Baga é quase um dia de festa. Ainda por cima, quando na adega se usam muito poucas barricas novas.
Portanto, a idade das vinhas, as castas, os solos, a altitude e a atitude do enólogo acabam por dar origem a vinhos com perfil sério, no sentido em que por aqui não se encontra fruta aos saltos nem grandes extracções. Pelo contrário, temos a harmonia que as boas vinhas velhas oferecem. Nesse sentido, valerá a pena acompanhar o trabalho de Pedro Sereno, que está a aplicar a mesma receita em Portalegre e no Douro. De momento vamos destacar, por razões diferentes, dois dos sete vinhos lançados recentemente.
Nome Marquês de Tomar Superior Tinto 2020
Produtor Pedro Sereno
Castas Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Tinta Roriz
Região Tejo
Grau alcoólico 14 por cento
Preço (euros) 8,30
Pontuação 92
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova Tinto sem complexidade de maior, mas cativante pelas notas fumadas e de casca de frutos vermelhos e pretos. Boca suave, fresca, gulosa e equilibrada. A relação preço qualidade é muito boa.
Nome Pedro Sereno Vinhas Velhas 2020
Produtor Pedro Sereno
Castas Diferentes variedades em vinhas com cerca de 90 an
Região Tejo
Grau alcoólico 13 por cento
Preço (euros) 30
Pontuação 94
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova Um caso bem mais sério do que o Marquês de Tomar Superior Tinto 2020 do mesmo produtor. É um vinho que junta complexidade e classe. Por aqui se encontram notas de flores e frutas, à mistura com aromas de funcho e como que resina/caruma. Na boca, o trabalho de barrica, sem ser impositivo, deu bastante volume ao vinho. Acidez e mineralidade são outras características presentes.