Ounahi, o fundista de Marrocos
Este médio deixou o seleccionador espanhol pasmado pela resistência física que mostrou, como um fundista. Contra Portugal, terá labor semelhante perante Félix e Otávio.
“Fiquei muito surpreendido com o número 8, não me consigo lembrar do nome. Meu Deus! De onde saiu aquele rapaz? Joga muito bem. Ele não parou de correr. Deve estar exausto. Espectacular”. Estas palavras são de Luis Enrique, ex-seleccionador espanhol, que se prestou a assumir o espanto com o desempenho de Azzedine Ounahi no Espanha-Marrocos.
E as palavras do técnico espanhol servem, numa espécie de aliança ibérica, como aviso para Fernando Santos. Há “ouro” em Ziyech e Hakimi e convém conhecer Amrabat ou En-Nesyri, mas Ounahi não é nada de se deitar fora. E Luis Enrique sabe do que fala.
Estamos a falar de um jogador de predicados incomuns. É forte fisicamente, mas sem ser robusto. Corre bastante, mas não é um recuperador de bolas. Tem sido um médio trabalhador em Marrocos, mas no clube até se destaca como criativo de drible. Em tese, são informações contraditórias. Também por isso é importante conhecê-lo.
Aos 22 anos, Ounahi é, por estes dias, um dos jogadores mais importantes do Angers, último classificado da Liga francesa, que o foi buscar à terceira divisão.
Não existe, no clube do Oeste gaulês, o talento de Ziyech, Hakimi ou Amrabat, pelo que Ounahi é, em Marrocos, um jogador diferente.
Frente à Espanha, a equipa esteve muito tempo sem bola e, tal como apontou Fernando Santos, a jogar em 20 metros. Aquilo que impressionou Luis Enrique foi a capacidade física do jogador, cujo comportamento sem bola, no lado direito de Marrocos, o esquerdo de Espanha, foi fulcral.
Com ajuda do Who Scored, olhámos para os mapas de calor dos jogadores marroquinos. Tirando o guarda-redes Bono da equação, que esse naturalmente passou o jogo todo no mesmo local, Ounahi foi claramente aquele que mais se fixou numa zona (ver em baixo).
No lado direito de Marrocos, foi este jogador que circulou pela zona onde caíam Olmo e Pedri, tapando os espaços por onde a bola poderia entrar entre linhas. E será uma “teia” desse tipo que os africanos poderão montar, com Ounahi a tapar caminhos sobretudo a Félix e Otávio.
A confiança
Corentin Bouchard, ex-treinador do Avranches, das divisões secundárias, explicou à Sky Sports o que via no jogador que começava a carreira nesse modesto clube do Noroeste francês, depois de o mais renomado Estrasburgo não lhe ter dado um contrato profissional. “Ele tem qualidade técnica, tanto para proteger a bola como para desequilibrar uma equipa pelo passe, drible ou remate. Acima disso, tem uma resistência impressionante, que lhe permite repetir estas acções vezes sem conta”.
E foi mesmo verdade. Ninguém correu mais do que ele frente aos espanhóis (foram quase 15 quilómetros), mas, curiosamente, o dia-a-dia de Ounahi, em França, faz-se de drible.
Este marroquino não tem parecido ser especialmente virtuoso nem criativo neste Mundial, mas pode ser uma questão de contexto. É que na Liga francesa há apenas um jogador com mais dribles de sucesso do que ele. Apenas um – e chama-se Lionel Messi.
“Ele é calmo e reservado. É alguém que ouve o que lhe dizem, mas tem carácter e ego”, explicou Bouchard, sugerindo que é alguém auto-confiante.
A avaliar pelas palavras do próprio jogador após o Espanha-Marrocos, a tese é real. Questionado sobre os elogios de Luis Enrique, Ounahi assumiu que não tinha ouvido, mas disparou: “É bom ver um treinador que gosta de bons jogadores”.
Foi uma tirada “à Zlatan”, mas, depois do que disse Luis Enrique de um jogador do último classificado francês, quem censurará Ounahi pela presunção?